sabor, beleza, alegria, vida, paixão, perdão,
graça
Cozinhar
pra mim é um prazer. Faz-me muito bem! E comer, é melhor ainda e quando se tem
fome é uma felicidade. Todo mundo sabe disto, inclusive os ignorantes bebês.
Mas poucos são os que se dão conta de que felicidade maior que comer é
cozinhar. Alegra a alma, faz bem pro coração, para os olhos, para o olfato, pra
tudo!
Como é
bom cozinhar e comer, lavar, descascar, cortar, beliscar, rir, bebericar,
conversar, saborear. Ver @s amig@s
deliciando-se. É como uma celebração, um culto.
E
cozinhar exige paciência, calma, sossego. Não se pode ter pressa, apesar de que
o prazer de comer, não é muito demorado. O que demora são os prazeres
preliminares, pois quanto mais se demora maior será a fome, e claro, maior será
a alegria de saborear a comida.
Gosto de
cozinhar e colocar na comida muito temperos, ervas, misturar os opostos. Algumas
pessoas próximas brincam dizendo que isso é coisa de bruxa. Rubem Alves diz que
quem cozinha “é parente próximo das bruxas e dos magos”. Pode ser e nesse
sentido cozinhar é alquimia, feitiçaria e o ato de comer é ser
enfeitiçad@ por tanto prazer.
Lembro-me
do filme Festa de Babette. Ela bem sabia de tudo isso. Ela sabia os segredos de
produzir a alegria pela comida e que após se deliciarem, as pessoas não
permaneciam mais as mesmas. Coisas
mágicas acontecia com elas. O filme
retrata o cotidiano de uma pequena comunidade religiosa do século dezenove, que
vivia com muita simplicidade, próxima ao mar, numa costa deserta da Dinamarca.
O fundador da comunidade morre e deixa seu pequeno rebanho, formado
praticamente por pessoas simples e avançadas em idade, como “herança” para suas
duas filhas. De repente, para fugir da guerra, uma mulher chamada Babette sai
de Paris e decide, por indicação de um amigo, viver junto a esta comunidade.
Ela era uma famosa chef de cozinha de
um importante hotel de Paris. Babette passa anos naquela comunidade sem poder
mostrar o seu talento culinário. Até que um dia, ela recebe a notícia que havia
uma fortuna para receber na França. Diferente do que muitos pensaram e em vez
de retornar para Paris ou ir viver confortavelmente em outro lugar, Babette
resolve oferecer um banquete à comunidade. Gastou todo o seu dinheiro para
importar os alimentos, bebidas, especiarias, frutas, louças, talheres, toalhas
etc., que seriam usados no banquete. Tudo da melhor qualidade para que o
momento fosse perfeito.
A Festa
de Babette é o desabrochar da alma, na descoberta do prazer sem culpa. Sua
festa, é claro, escandaliza os mais velhos do lugar. A vida naquele lugar era
de dar dó, um martírio passageiro para um plano maior: o céu. Os rostos eram
rígidos as passadas pesadas, rancor entre pessoas e brigas que não eram
declaradas e assim também não eram perdoadas. Pois a ofensa que não foi revelada
também não pode ser perdoada. Não havia gosto pela vida e a vida, por si, era
insossa, sem sabor.
Babette
para eles era uma bruxa e o banquete oferecido era um ritual de feitiçaria. No
que eles estavam certos! Que era feitiçaria, era mesmo. Só que não do tipo que
eles imaginavam.
Achavam
que Babette iria por suas almas a perder. Não iriam para o céu. Decidiram aceitar o banquete, mas firmaram um
pacto – durante o banquete não falariam uma só palavra sobre a comida. E de
repente, receberam a visita de um General, e com a presença dele, formaram um
grupo de 12 pessoas ao redor da mesa. Ele, é claro, não sabia do que havia sido
acordado. E nem que Babette poderia ser bruxa, fazer feitiçarias.
Bem, não
se pode negar que a feitiçaria aconteceu: sopa de tartaruga, cailles au sarcophage, vinhos saborosos,
o prazer amaciando os sentimentos e pensamentos, as durezas e rugas do corpo
sendo alisadas pelo paladar, as máscaras caindo, os rostos endurecidos ficando
bonitos pelo riso. Na singeleza do seu agir, Babette mostrou que a vida pode
ser vivida no compartilhar do alimento e na descoberta de novos temperos e
sabores.
Com isso,
digo que a vida é saborosa e pode ser degustadas sem arrependimentos, medos,
píeses ou neuras. E como no filme, os prazeres simples da vida não poderão
ser mais negados, como o prazer de comer
e beber na companhia de bons amig@s.
No filme,
a partir do banquete preparado por Babette, não haveria mais burocracia para o
perdão e muito menos a inércia do amor, por que tod@s compartilhavam do mesmo
momento de prazer. Prazer que não pode ser deixado de lado como o prazer de
estar e beber entre amigos, comer e contar a sua vida de forma simples e
compartilhar da sua vida em detalhes de forma aberta na clareza da
informalidade. Babette nos apresenta que
a graça está nas pequenas coisas, que a graça não é monopólio de um culto, uma
religião ou somente um grupo de pessoas destinadas a viver com graça.
Por isso,
amig@s, quando estivermos reunid@s ao redor da mesa para saborear pratos
especiais que possamos perceber que a vida pode ter diferentes sabores e
tonalidades, além do cinza e do preto, que também são importantes. Que sempre
possamos dar às nossas vidas novos sentidos e significados. Que possamos continuar
cozinhando os mais diferentes e saborosos pratos, para que juntos com amig@s e
familiares, reconheçamos que nunca é tarde para percebermos que a vida, apesar de tantas lutas,
contradições, dissabores e decepções, dores, mágoas, vale a pena ser vivida
com muito sabor, alegria, comunhão, partilha, perdão. Afinal, a vida é uma
graça, uma dádiva! Odete Liber
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