Um
discípulo em busca da verdade
Nelson Kilpp *
Para muita
gente, fé e dúvida são incompatíveis. Porém muitas pessoas de fé têm dúvidas. E
isso não é nenhum escândalo. Pelo contrário, diria que é normal. Ao tentar
entender a realidade, a fé depara-se com contradições reais ou aparentes, que
exigem esclarecimento. O bom senso e a inteligência costumam então questionar a
fé, exigindo uma explicação. Tomé é exemplo dessa fé que não se contenta com
respostas fáceis e ingênuas, mas está em constante busca da verdade.
Tomé – o nome
aramaico significa gêmeo (em grego Dídimo) – é caracterizado como “incrédulo”.
Indevidamente, como veremos. Tomé aparece em quatro ocasiões marcantes da
história de Jesus. Na primeira vez, destaca-se como discípulo intrépido,
disposto a morrer por Jesus. Quando soube da doença de Lázaro, Jesus quer
voltar à Judeia. Mas os discípulos tentam dissuadi-lo porque os judeus tinham a
intenção de apedrejar Jesus (João 11.8). Tomé parece ser o único discípulo que
não tem medo. Afoitamente diz: “Vamos também nós para morrer” (11.16). Revela-se
de zelo e coragem, que se contrapõe aos demais e coloca-se totalmente ao lado
de Jesus, assumindo as consequências do discipulado.
Esse entusiasmo
inicial vai transformar-se aos poucos em busca insistente por compreensão. Como
também acontece com os outros, Tomé nem sempre entende tudo o que seu mestre
diz ou faz. Em João 14.5, faz-se porta-voz dos discípulos ao perguntar a Jesus:
“Senhor, não sabemos para onde vais, como saber o caminho?” Os discípulos não
entendem que Jesus deve ir pelo caminho do sofrimento para chegar ao Pai. E que
o acesso dos discípulos ao Pai passa por Jesus, que é “o caminho, a verdade e a
vida” (14.6). Aqui transparece a grande sede de Tomé de conhecer melhor o
significado das palavras e dos atos do mestre. O discípulo fiel e intrépido
começa a revelar o seu espírito inquieto e inquiridor, que busca a verdade.
Tomé aparece,
pela terceira vez, na cena da revelação de Jesus a seus discípulos oito dias
após a ressurreição (João 20.24-29), quando Jesus lhe mostra suas feridas para
que possa crer que ele é, de fato, o Jesus crucificado. Dois aspectos são
significativos nesse episódio. Em primeiro lugar, trata-se da segunda aparição
de Jesus a seus discípulos. Quando Jesus apareceu pela primeira vez, Tomé não
se encontrava entre eles. Onde teria estado? Sabemos que os outros se haviam
trancado numa casa por medo dos judeus (20.19). Tomé parece não ter sido tão
medroso assim. Após a morte de Jesus, ele não se afastou do grupo, mas também
não se escondeu.
Em segundo
lugar, Tomé responde ao relato dos colegas que diziam que Jesus havia
ressuscitado e aparecido a eles: “Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos
cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no seu lado, de modo algum
acreditarei” (20.25). Não se trata, na verdade, de falta de fé, mas de uma
desconfiança natural diante do insólito. Os discípulos podiam ter tido uma
visão irreal. Isso não era coisa incomum. O desespero e a decepção levam a
ilusões. Tomé acha que deve haver uma relação entre a pessoa vista pelos
colegas e a que sofreu a morte na cruz. Para Tomé, a diferença entre sonho e fé
legítima é a marca da cruz. A fé não é algo aéreo, que deixa “no mundo da lua”,
mas tem a marca da realidade do sofrimento. Não se trata, portanto, de
“descrença”, mas de zelo e compromisso com a verdade.
Tomé aparece,
pela última vez, na terceira aparição de Jesus junto ao mar da Galileia (João
21.2). Vemos aí que Tomé não se afastou da comunidade nem dela foi excluído por
causa de suas dúvidas. Diversos escritos posteriores foram atribuídos a Tomé.
Num deles, relata-se que foi enviado como missionário à Índia, onde sofreu
martírio. A tradição diz que sua sepultura está em Chenai (Madras).
Tomé foi um
discípulo com posição própria. Como entusiasmado e fiel seguidor de Jesus,
nunca deixou de usar seu raciocínio para questionar quando algo fugia à sua
compreensão. Ele nos ensina que, quando temos compreensão, talvez possamos
testemunhar de forma mais convincente: “Senhor meu e Deus meu” (20.28).
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