segunda-feira, 21 de julho de 2014

Um discípulo em busca da verdade




Um discípulo em busca da verdade
Nelson Kilpp *
Para muita gente, fé e dúvida são incompatíveis. Porém muitas pessoas de fé têm dúvidas. E isso não é nenhum escândalo. Pelo contrário, diria que é normal. Ao tentar entender a realidade, a fé depara-se com contradições reais ou aparentes, que exigem esclarecimento. O bom senso e a inteligência costumam então questionar a fé, exigindo uma explicação. Tomé é exemplo dessa fé que não se contenta com respostas fáceis e ingênuas, mas está em constante busca da verdade.
Tomé – o nome aramaico significa gêmeo (em grego Dídimo) – é caracterizado como “incrédulo”. In­de­vi­da­mente, como veremos. Tomé aparece em quatro ocasiões marcantes da história de Jesus. Na primeira vez, destaca-se como discípulo intrépido, disposto a morrer por Jesus. Quando soube da doença de Lázaro, Jesus quer voltar à Judeia. Mas os discípulos tentam dissuadi-lo porque os judeus tinham a intenção de apedrejar Jesus (João 11.8). Tomé parece ser o único discípulo que não tem medo. Afoitamente diz: “Vamos também nós para morrer” (11.16). Revela-se de zelo e coragem, que se con­trapõe aos demais e coloca-se totalmente ao lado de Jesus, assumindo as consequências do discipulado.
Esse entusiasmo inicial vai transformar-se aos poucos em busca insistente por compreensão. Como também acontece com os outros, Tomé nem sempre entende tudo o que seu mestre diz ou faz. Em João 14.5, faz-se porta-voz dos discípulos ao perguntar a Jesus: “Senhor, não sabemos para onde vais, como saber o caminho?” Os discípulos não entendem que Jesus deve ir pelo caminho do sofrimento para chegar ao Pai. E que o acesso dos discípulos ao Pai passa por Jesus, que é “o caminho, a verdade e a vida” (14.6). Aqui transparece a grande sede de Tomé de conhecer melhor o significado das palavras e dos atos do mestre. O discípulo fiel e intrépido começa a revelar o seu espírito inquieto e inquiridor, que busca a verdade.
Tomé aparece, pela terceira vez, na cena da revelação de Jesus a seus discípulos oito dias após a ressurreição (João 20.24-29), quando Jesus lhe mostra suas feridas para que possa crer que ele é, de fato, o Jesus crucificado. Dois aspectos são significativos nesse episódio. Em primeiro lugar, trata-se da segunda aparição de Jesus a seus discípulos. Quando Jesus apareceu pela primeira vez, Tomé não se encontrava entre eles. Onde teria estado? Sabemos que os outros se haviam trancado numa casa por medo dos judeus (20.19). Tomé parece não ter sido tão medroso assim. Após a morte de Jesus, ele não se afastou do grupo, mas também não se escondeu.
Em segundo lugar, Tomé responde ao relato dos colegas que diziam que Jesus havia ressuscitado e aparecido a eles: “Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no seu lado, de modo algum acreditarei” (20.25). Não se trata, na verdade, de falta de fé, mas de uma desconfiança natural diante do insólito. Os discípulos podiam ter tido uma visão irreal. Isso não era coisa incomum. O desespero e a decepção levam a ilusões. Tomé acha que deve haver uma relação entre a pessoa vista pelos colegas e a que sofreu a morte na cruz. Para Tomé, a diferença entre sonho e fé legítima é a marca da cruz. A fé não é algo aéreo, que deixa “no mundo da lua”, mas tem a marca da realidade do sofrimento. Não se trata, portanto, de “descrença”, mas de zelo e compromisso com a verdade.
Tomé aparece, pela última vez, na terceira aparição de Jesus junto ao mar da Galileia (João 21.2). Vemos aí que Tomé não se afastou da comunidade nem dela foi excluído por causa de suas dúvidas. Diversos escritos posteriores foram atribuídos a Tomé. Num deles, relata-se que foi enviado como missionário à Índia, onde sofreu martírio. A tradição diz que sua sepultura está em Chenai (Madras).
Tomé foi um discípulo com posição própria. Como entusiasmado e fiel seguidor de Jesus, nunca deixou de usar seu raciocínio para questionar quando algo fugia à sua compreensão. Ele nos ensina que, quando temos compreensão, talvez possamos testemunhar de forma mais convincente: “Senhor meu e Deus meu” (20.28).