“Quem pensa que a comida só faz matar a fome
está redondamente enganado. Comer é muito perigoso. Porque quem cozinha é
parente próximo das bruxas e dos magos. Cozinhar é feitiçaria, alquimia. E
comer é ser enfeitiçado. Sabia disso Babette, artista que conhecia os segredos
de produzir alegria pela comida. Ela sabia que, depois de comer, as pessoas não
permanecem as mesmas. Coisas mágicas acontecem. E desconfiavam disso os
endurecidos moradores daquela aldeola, que tinham medo de comer do banquete que
Babette lhes preparara. Achavam que ela era uma bruxa e que o banquete era um
ritual de feitiçaria. No que eles estavam certos. Que era feitiçaria, era
mesmo. Só que não do tipo que eles imaginavam. Achavam que Babette iria por
suas almas a perder. Não iriam para o céu. De fato, a feitiçaria aconteceu:
sopa de tartaruga, cailles au sarcophage, vinhos maravilhosos, o prazer
amaciando os sentimentos e pensamentos, as durezas e rugas do corpo sendo
alisadas pelo paladar, as máscaras caindo, os rostos endurecidos ficando
bonitos pelo riso, in vino veritas… Está tudo no filme A
Festa de Babette. Terminado o banquete, já na
rua, eles se dão as mãos numa grande roda e cantam como crianças… Perceberam,
de repente, que o céu não se encontra depois que se morre. Ele acontece em raros
momentos de magia e encantamento, quando a máscara-armadura que cobre o nosso
rosto cai e nos tornamos crianças de novo. Bom seria se a magia da Festa de
Babette pudesse ser repetida… ” (Ruben Alves).
"É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto, como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo..." (Clarice Lispector)
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
Cozinhar é coisa das bruxas e magos
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