segunda-feira, 8 de outubro de 2012

TENTAÇÃO

Caindo em tentação
Texto bíblico: Lucas 4.1-13
O assunto proposto para a prédica nesta manhã nos apresenta nada mais nada menos do que um aspecto central da existência cristã. A tentação, por um lado, a está para a vida cristã assim como, por outro lado, está a fé, a confiança e a certeza. São dois lados, duas forças, dois poderes que paradoxalmente estão em uma constante tensão na vida cristã.
O relato que nos é apresentado de Jesus sendo tentado tem uma finalidade. O Jesus que está só no deserto e entregue ao assalto do Diabo e que vai ficar outra vez só no Getsemani e na cruz, é o Jesus que nas suas andanças não permaneceu só, mas se colocou na companhia do povo sofrido, chamando de bem aventurado os pobres, curando os enfermos, saciando os famintos, desafiando os poderosos e chamando ao discipulado. Em nosso texto está traçado o seu caminho até a cruz.
Podemos indagar: Ainda somos tentad@s? Como crist@s para quê vivemos? Que rumo tem tomado nossa vida?
Vivemos numa sociedade repleta de desemprego, de subemprego e pobreza que encobrem os rostos dos famintos (adultos e crianças) que perambulam pelas ruas. As nossas comunidades (em especial as da periferia) refletem a onipresença aterradora do poder político-econômico vigente em nosso país, que cada vez mais contribui para com a desigualdade, a injustiça, a falta de dignidade humana.
Sabemos também que podemos por nossa vida a perder, quando a direcionamos por falsos valores e metas, pois estamos rodead@s de tentações permanentes. Como já dissemos, Jesus foi ameaçado e em suas tentações estão figuradas as tentações que nos assolam, que em nossa realidade dão combate incessante à verdadeira vida conquistada por Jesus. Mas é nas tentações que encontramos a vontade de Deus que impele ao seu Reino e nos chama à opção pela vida.
Vejamos as tentações que encontramos em nosso texto:
A- TENTAÇÃO DA FALTA DO PÃO
O texto nos diz que Jesus sentiu fome. Bonhoeffer diz que as duas grandes interrogações na vida do ser humano são: indagar a respeito de Deus e do pão, mas ambas sentem ciúmes uma da outra.  Podemos dizer que há algumas situações que tornam o ser humano especialmente vulnerável às tentações. Se lembrarmos a oração do Pai nosso, onde suplicamos o pão nosso de cada dia dá-nos hoje, perceberemos a profundidade dessa vulnerabilidade, dessa fragilidade. Só quem experimenta a realidade da fome pode compreender que magnitude tem a tentação do pão fácil, pois nessa situação todos os valores mudam. Por exemplo: o que significa o roubo, quando se tem fome? O que significa aquela mãe que rouba um alimento qualquer para saciar a fome dos filhos? Ou então quando se está com uma grande vontade de comer alguma coisa e não se tem como comprá-la.
Por isso, só quem experimenta a realidade da fome (e não quem está satisfeito e fecha os olhos) pode entender o significado que tem, quando Jesus, sofrendo essa situação, reconhece que mais importante do que tudo é a palavra de Deus, que intenciona um reino fraterno, de amor a Deus e justiça entre os seres humanos, sem comparação até mesmo com qualquer necessidade na vida humana: lar, alimentação, vestuário, saúde, escola e descanso. Mas mesmo assim essa palavra de Deus tem sido abusada pelos próprios cristãos, já que Jesus usou esta frase “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”, quando estava só, como arma de defesa contra o diabo. Jamais para dizer que se deve passar fome, visto que quando esteve com os famintos, nãos consolou, mas lhe deu pão. Assumiu privação ele mesmo, mas em solidariedade aos que passavam privação forçada. Logo, só tem direito de empregar esta frase quem estiver dispost@ a demonstrar em si mesmo que a palavra de Deus lhe é mais importante do que o pão, isto é, quem estiver dispost@ a partilhar seu próprio pão e lutar pelo pão dos que não tem. Precisamos sentar à mesa juntos (Lc 10.4-9), para um banquete, cujo convite foi recusado pelos convidados (Lc 14.16-23). A fome e o pão são importantes nessa passagem, porque nos remete para um projeto de sociedade diferente, onde tod@s têm a possibilidade de sentar-se à mesa, em regime de igualdade, judeus, pagãos, ricos, pobres, brancos, negros, homens, mulheres, crianças, todos nós. O pão não é dado, mas é repartido, não é sinal de poder, mas de fraternidade.
B- TENTAÇÃO DO EMPREGO DO PODER
Jesus ao resistir à tentação da falta de pão triunfa sobre o mal, enquanto ser humano, despido de qualquer poder extraordinário. Mas nos vv.6-8 o diabo “abre o jogo”, colocando todas as cartas na mesa. Como diz Bonhoeffer: “Esta vez Satanás luta com suas próprias armas. Aqui não há mais camuflagem alguma, nem simulação.” O poder de satã se opõe diretamente ao de Deus. Seu oferecimento é imensamente grande e belo e ao mesmo tempo sedutor. Ele exige em retribuição a adoração. Ele exige a franca apostasia de Deus, que não mais tem justificativa, a não ser a grandeza e a beleza do reino de Satanás. Nesta tentação, o caso é a clara e definitiva negação de Deus e a submissão a Satanás. Poder e riqueza para quem adorar o diabo! E quem adora o diabo? A resposta é simples: Aquele que já não “dá bola” para Deus e toma o ser humano como objeto de manipulação. Assim como Jesus resumiu toda  a lei em amar a Deus acima de tudo e o próximo como cada um ama a si mesmo, assim ceder a essa tentação é renunciar a Deus e ao próximo.
Na prática, inúmeras pessoas, a rigor, todos nós, muitas vezes, demonstramos, pelas conseqüências, que adoramos ao diabo. Essa realidade se repete e acontece em nossas relações familiares marcadas pela tirania, desrespeito, desamor, em nossas relações grupais quando estas se norteiam por interesses particulares e até mesmo em nossas comunidades eclesiais (quando repetimos e reproduzimos como espelho as discriminações e injustiças sociais, quando queremos que a igreja se pareça com a atual sociedade). Isto se torna mais claro quando o poder político que deve ser destinado ao bem comum, é empregado para oprimir pessoas, povos inteiros, lesando seus direitos, para manter os privilégios dos detentores do poder e seus aliados (quantos cristãos não fazem isso).
Outra realidade triste é a da esfera econômica, quando o ser humano não é seu dono e beneficiário, mas reduzido a produtor do que necessita e não pode usufruir do que produz. Há também muitas outras formas de tentações que se expressam na vida individual e comunitária. Na vida comunitária, podemos lembrar, de modo particular, as situações em que em nossas celebrações, muitas vezes sem o perceber, o diabo tenta através de nós o próprio Deus, exigindo sinais e exigindo que ele cumpra suas promessas, porque temos o poder em nossas mãos. Mas por que como cristãos fazemos isto? Talvez porque não permitimos que ocorra em nós e através de nós um verdadeiro confronto entre valores de sermos filh@s de Deus e os valores do mundo, do diabo.
C- TENTAÇÃO DA DEMONSTRAÇÃO DA FÉ
Superadas pela palavra de Deus a tentação da falta do pão (ou apego ao pão), uma tentação que provia das próprias condições desumanas de vida, e a tentação do poder, o diabo assalta agora dentro da própria fé. O diabo ataca com a escritura (vv.9-11), citando o Salmo 91. O diabo, aqui, empata em conhecimentos bíblicos com Jesus, mas apenas Jesus tem o espírito da Escritura consigo.
A tentação da demonstração de fé quer manifestar sinais prodigiosos em nome de Deus. Ela procura também inverter as coisas. Deus nos conduz para a tribulação, nos quer em fraqueza solidária para com o próximo, mas nós o queremos poderoso para nós. Pedimos a Deus em oração todo tipo de conforto pessoal (o desafiamos e cremos!), quando Deus nos chama para assumir sua cruz. Consideramos bênçãos de Deus quando tudo vai bem (nossos ambiciosos desejos são concretizados, afinal nosso Deus é o Deus do ouro e da prata), não precisamos abrir mão de nada. Consideramos tentação diabólica quando estamos em dificuldade, quando não temos trabalho, quando não podemos comprar carro novo ou roupa de marca etc. O texto bíblico nos apresenta que o inverso é verdade: o bem estar pode ser a tentação diabólica e a dificuldade pode ser a chance divina de colocar-se ao lado de quem está destituído de seu amor.
A resposta de Jesus lança a Palavra de Deus contra a Palavra de Deus, de um modo que a verdade se revela contra a mentira. Se Jesus exigisse um  único sinal, daria lugar à dúvida em seu coração. A fé não necessita mais do que a simples Palavra de Deus em mandamento e promessa. Por isso, ela se torna tentação quando cobramos e exigimos que nossos desejos sejam realizados. Ela também se torna tentação quando julgamos o outr@, pois quando isso acontece, nos colocamos no lugar do próprio Deus, agindo como juiz do próxim@.
CONCLUSÃO:
O texto de Lucas 4.1-13 nos mostra a tentação a respeito da falta do pão (os indiferentes), a tentação do emprego do poder (cada um ama a si mesmo, o melhor de tudo é ter domínio) e a tentação da demonstração da fé (a tentação de manifestar sinais prodigiosos em nome de Deus e inverter as coisas, agindo como se fossemos Deus. Trata-se, em outras palavras, da tentação espiritual, de não saber seu lugar, da empáfia de deixar a posição adequada de criatura em relação ao Criador). A experiência parece ensinar que tem razão os indiferentes, os hipócritas e os poderosos, porque eles estão “por cima” e “prosperam”. Onde estaria realidade do temor a Deus e da fraternidade entre as pessoas, prometida pela palavra de Deus? Olhando a nossa realidade poderíamos desesperar. Contudo, devemos olhar para Cristo.
A luta dos primeiros seguidor@s de Jesus foi contra os detentores do poder na sociedade judaica: o poder religioso responsável pela lei, e  o poder político, que perseguia os adversários até a morte. Por esta razão os opositores são chamados de uma geração insensível a qualquer apelo (Lc 7.31-35), má e que busca um sinal  (Lc 11.29-31), mata os profetas (11.49-50), come e bebe sem se preocupar com o que vai acontecer (17.23-37; 12.45-46), são os fariseus, preocupados com o exterior e não com o interior, sobrecarregam o povo, mas eles mesmas não praticam (11.39-52), estão envolvidos com as morte dos profetas (11.48).
O nosso texto apresenta um chamado à Igreja, que também sofre a tentação do poder e do autoritarismo, para que ela se renove a luz do Evangelho e sempre se confronte com o testemunho de Jesus de Nazaré. É um chamado, porque não, para uma mudança de mente, uma mudança de estruturas, uma mudança na maneira de ver o mundo.
Somos convidados e convidadas, como batizad@s que somos e participantes do banquete – a ceia -, para uma conversão e renovação, as quais se concretizam cada vez que individual ou coletivamente nos comprometemos na construção de uma Igreja onde tod@s tenham espaço e onde tod@s tenham direitos iguais, onde definitivamente a tentação do poder e da exclusão estejam superadas.
Neste texto e, em geral, na tradição bíblica a tentação sempre se constitui numa ameaça integral ao rumo de toda a vida, seus valores e suas dimensões. Vemos que não está em jogo algumas atitudes morais ou piedosas de Jesus, mas sim o direcionamento de toda sua vida e obra. Nossa perícope, localizada logo após a passagem referente ao batismo de Jesus e antes do relato da sua vida pública, é um momento de definição. A tentação tem, assim, a dimensão de totalidade, pois ela é o oposto do chamado a decisão de fé e “cair em tentação” é o oposto da opção de vida. Como disse Bonhoeffer: “Nenhuma tentação é mais terrível do que a de não sermos tentados.” Nas tentações somos desafiad@s, somos lembrad@s de vivermos sob a cruz. Jesus, em nosso texto, foi desafiado, pois faminto decidiu viver pela palavra de Deus, embora filho de Deus renunciou o pedir milagres do Pai, tentado pelo poder e pelas riquezas, optou permanecer como um ser humano solidário com seu semelhante e assim temente ao Senhor. Não se trata de fugir às tentações, nem de reprimi-las ou tampouco ignorá-las. É necessário enfrentá-las, pois as armas o Senhor nos dá: “Espírito, Verdade.” O que devemos saber é que precisamos confiar na Palavra de Deus e “amar a Deus acima de tudo e ao outro como nos amamos”. O Deus que esteve conosco em Jesus Cristo, com seu Espirito Santo “nos guiará a toda verdade”. Ouçamo-lhe, pois este pode ser o início de uma vida cristã mais autêntica, superando as tentações do pão, do poder e da fé, vivendo na e pela Palavra de Deus. Odete Liber Adriano

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