A caminhada se faz
caminho com Jesus – Lucas 24. 13-35
O contexto da história todos nós
sabemos. Dois discípulos seguiam para Jerusalém. Conversavam e discutiam a
respeito de tudo que tinha acontecido. E
de repete aparece outra pessoa, o próprio Jesus, mas eles não o reconhecem. Jesus,
esse estranho, então os questiona sobre o que estavam conversando e percebe que eles estavam muito tristes e
decepcionados.
Os discípulos caminharam com Jesus
não por um mês, mas por anos e agora, não o reconhecem. Os olhos impedidos
vedam visão e compreensão. Os dois discípulos não acreditaram na informação a
respeito da sepultura vazia nem a notícia dos anjos de que ele vive, mesmo que
prestadas por mulheres de seu próprio círculo de convívio! Mais ainda, não
reconheceram a Jesus caminhando lado a lado com eles.
Fico imaginando quantas vezes
talvez eu não tenha reconhecido Jesus nessa caminhada da vida. Não são provas
históricas, nem o esforço humano, nem discursos filosóficos que abrem os nossos
olhos e levam o nosso espírito a reconhecer Jesus Cristo.
Como cristãos e cristãs “Cremos num
Deus que não vemos e nem caminhamos no passado com Ele, mas percebemos sua ação em nossas vidas. Temos a fé que é dádiva. A graça doa esperança, mesmo quando tudo está
ruindo. Então, os nossos olhos se abrem e o nosso coração compreenderá: Ele vive!
Quero também lembrar que, sem a presença, sem o encontro pessoal, há um empobrecimento da comunicação dialógica cara a cara, diante do olhar do outro; fora desta comunicação vivente com o outro, já não é possível autentificar a experiência do nosso próprio eu, pois nos falta a relação primordial com um tu. Vivem os em dias que as relações se pautam através do whatsap, da distância. Não se olha mais olho no olho. O processo da presença do outro, da conversação produz mudanças em nós: uma determinada frase, dita ou escutada, uma experiência de vida que tocou nosso coração, uma pergunta que nos tirou de nossa maneira habitual de pensar… são sementes para transformações posteriores.
Quero também lembrar que, sem a presença, sem o encontro pessoal, há um empobrecimento da comunicação dialógica cara a cara, diante do olhar do outro; fora desta comunicação vivente com o outro, já não é possível autentificar a experiência do nosso próprio eu, pois nos falta a relação primordial com um tu. Vivem os em dias que as relações se pautam através do whatsap, da distância. Não se olha mais olho no olho. O processo da presença do outro, da conversação produz mudanças em nós: uma determinada frase, dita ou escutada, uma experiência de vida que tocou nosso coração, uma pergunta que nos tirou de nossa maneira habitual de pensar… são sementes para transformações posteriores.
No
caminho de Emaús, Jesus, como mestre sábio na arte da conversão, parte da
situação existencial em que os dois discípulos se encontravam naquele momento:
provoca-os para que falem à vontade das causas de sua tristeza. No fundo do
coração dos discípulos há um grande vazio que, inconscientemente, querem
preencher “conversando e discutindo entre si”.
Claro que muitas vezes em nossa
caminhada da vida, temos medo, tristeza, decepções e expectativas frustradas,
que nos impedem de ver em Jesus o Cristo e perceber caminhos alternativos ou
até, ouvir sua voz. Muitas vezes andei
como esses discípulos, mas aí, veio o milagre e meus olhos se abriram.
Aconteceu o encontro com Jesus!
A pergunta de Jesus sobre o problema que causava
tamanho sofrimento neles foi o ponto de partida para encontrar a resposta que,
no fim do itinerário, iria esclarecê-los, iluminá-los e devolver-lhes a alegria
e a esperança perdidas. Aqui está uma sugestão de conversa, diálogo com o outro.
A pergunta de Jesus (“o que ides conversando pelo
caminho?”) faz com que os discípulos levantem os olhos do chão e olhem para o
rosto do peregrino desconhecido. Sem perceber começam a sair de seu fechamento
e a alegrar-se porque alguém está interessado em saber quais são as causas de
sua tristeza e quer ouvi-los.
A pedagogia amorosa de Jesus deu certo: eles abrem o
coração e contam “o que aconteceu a Jesus de Nazaré”. No entanto, o que
aconteceu com Jesus não é contado por um coração ardente e exultante, mas por
um coração ferido, desiludido e triste. A resposta dos discípulos é um resumo
do querigma cristão; mas esse conteúdo é relatado como uma tragédia
irreparável.
Depois de uma longa conversa com o peregrino, os
discípulos não discutem mais entre si, mas unânimes, insistem para que ele
permaneça com eles naquela noite. O pedido “permanece conosco”, expressa o
desejo de ser discípulo(a) de Jesus. Depois que o estranho peregrino – Jesus - aceitou
o convite, a casa de Emaús, em vez de tornar-se um lugar de fuga e fechamento,
como os discípulos pretendiam, tornou-se um lugar de acolhida e de partilha, de
iluminação e ponto de partida para a retomada da comunhão com a comunidade dos
demais companheiros.
O diálogo é consubstancial ao cristianismo. Deus é
Palavra criadora e geradora de vida, mas em Jesus ela se manifesta como uma
grande conversação. Sua presença junto aos discípulos de Emaús e possibilita a passagem de uma “conversa e
discussão” marcada pela tristeza, dor e fuga, para uma nova conversação, cheia
de sentido e alegria. Os dois discípulos viveram uma verdadeira “páscoa”, pois passaram
da discussão ao reconhecimento, do fechamento à abertura, do lamento ao
agradecimento, do desânimo ao entusiasmo. Em suma, a “passagem” do coração vazio e duro para o
coração transbordante e abrasado. A nova conversação os arranca da solidão e os
faz retornar à comunidade para relatar a boa nova da experiência que fizeram.
Conversação expansiva, desencadeadora de outros relatos vitais. E assim, os
laços são reatados.
A gente sabe que com uma posição conservadora,
estática, rígida, é muito difícil que haja uma verdadeira conversação. Desse modo
não há mudança, não há transformação. Fica-se igual a música Gabriela “nasci
assim, vou morrer assim”. Mas com Jesus, aprendemos que é preciso sair de si
mesmo, colocar-se em marcha. Com e em Jesus, há mudança.
Quando há dialogo, conversação, abertura, acontece a uma
mútua atualidade da presença, e, um modo de comunicação no qual toda a pessoa
se expressa, com gestos e palavras. É a passagem para a comunhão, a paz, a
iluminação, a mudança de si e do outro.
Voltando pro texto, vemos que o desvendar dos olhos ocorre durante a “fração
do pão”. Nesse momento os olhos dos discípulos se abriram e reconheceram Jesus.
A fração do pão para eles foi o “sinal por excelência da presença do
Ressuscitado, o lugar onde eles podem e devem descobrir essa presença e a
partir do qual poderão dar testemunho da Ressurreição” (J. Dupont). Andar com
Jesus é ouvir com atenção e deixar-se cativar pela sua Palavra. Sentar-se à
mesa com Ele e deixar que Ele parta e reparta o pão da vida. O reconhecimento e
reencontro acontecem sob a palavra e na ceia (eucaristia). “O reconhecimento do
Senhor vivo e o reencontro com ele acontecem sob a sua palavra e à mesa; ali
ele está presente como divino viajante e hóspede” (W. Grundmann, p. 443). A fé reconhece Jesus na sua palavra, no pão e no
cálice da Santa Ceia.
E, depois de reconhecê-lo, é
necessário realizar imediatamente o “caminho de volta” para a comunidade, para
partilhar com os outros a experiência do encontro com o Senhor, professar
juntos a fé comum e realizar as obras do Reino.
É essa experiência que, em última
instância, muda nosso modo de pensar, de sentir e de agir. É essa experiência
que nos converte em seus (suas) discípulos(as) e seguidores(as). Os caminhos
que levam ao encontro com Jesus podem ser os mais diversos e mais ou menos
longos, mas a experiência do encontro pessoal com Ele é imprescindível para
conhecê-Lo.
Fazer o caminho com os discípulos
de Emaús é uma privilegiada oportunidade para recuperar o lugar e o sentido da
conversação nas nossas diferentes relações pessoais.
A graça de Deus pode nos atingir
nos caminhos mais variados e inesperados: passando pelas fendas de nossa
existência, pelas brechas abertas em nós pelas grandes decepções, ou soprando
as últimas brasas que, sob as cinzas da desilusão, ainda permanecem acesas.
Jesus é invisível, porém está conosco a caminho. Em
momentos de recolhimento íntimo e de reflexão silenciosa o peregrino Jesus está
conosco. Jesus segue ao nosso lado. Com a sua palavra ele estende a mão ao
nosso encontro para nos amparar, abrir a nossa compreensão, nos orientar e fortalecer
o espírito, integrando-nos em sua comunhão de vida. No encontro ele nos abençoa
e nos transforma em pessoas melhores.
O reconhecimento de Jesus nos põe a caminho em busca
dos seres humanos. Os discípulos de Emaús foram a Jerusalém para encontrar-se
com os outros discípulos. Qualquer lugar de nossa vivência poderá tornar-se a
nossa Emaús, que, pela experiência do Cristo vivo, nos leva ao encontro com os
irmãos em alguma Jerusalém da vida. O encontro com Jesus leva à comunhão e
envia ao mundo para testemunhar o Cristo vivo. O que enche o coração faz os
lábios transbordarem. Deus nos abençoe!! Odete Liber