Igreja e a Pandemia –
experiencias pra vida ou só uma fase?
Estamos vivenciado um tempo diferente em nossas
vidas, seja pessoal ou coletiva. Na coletiva, incluo a igreja, como espaço de vivência
coletiva da fé e afetividade. E em tempos de Coronavirus, tudo isso mudou. Já
não é possível mais os encontros coletivos na igreja, os abraços fraternos e
apertados, bem como o mesmo acontece nas festas, nos bares, pizzarias.
E diante de tudo isso, impossível não voltar os
olhos para a igreja, que passa também por mudanças a partir do Coranavirus.
Logico que muitas igrejas já faziam uso da
tecnologia e mídias sociais para apresentar seus trabalhos, incluindo cultos. Agora,
se tem “enes” opções de cultos, celebrações. Lembrar que nem todas usufriam
dessa tecnologia, seja para celebrações ou para reuniões. Havia sempre uma
opinião contraria. Nesse sentido, tenho que voltar os olhos para a denominação
a qual faço parte, a IEAB -Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. A IEAB, que
raramente fazia uso da tecnologia, agora está correndo atrás. Tentando
descobrir esse mundo virtual, que de repente encurta distâncias e gera
encontros. E que reuniões são tão frutíferas quanto as presenciais.
E sociedade em geral está há praticamente um mês de
quarentena, impossibilitada de se reunir fisicamente. E nesse mote tecnológico as
lives, os vídeos, os encontros virtuais se fizeram presentes e rotineiros. Neste
curto período de tempo, a igreja tem enfrentado muitos desafios com os quais
nunca teve de lidar antes e tem experimentado novas experiências de ser igreja
e estar no mundo.
O que antes era dito como “impossível”, agora
acontece. Um exemplo, são o culto-celebrações (missão) on line para manter a
comunhão, mesmo à distância; os estudos bíblicos, socorro aos que precisam de
uma oração, uma palavra de conforto via smartfone ou skype, uma palavra de
conforto; incluindo até a ministração dos sacramentos como a ceia – Eucaristia (à
distância foi implementada); o atendimento pastoral; a contribuição financeira;
e muitos outros atos, que antes da Covid-19, fluíam de maneira natural e agora seguem via uso
das tecnologias disponíveis.
E fico pensando, como será o pós pandemia. Será que
abrirão mão da tecnologia ou seguirão fazendo
uso dela, visto que tem feito muito bem. Lógico que ela não substitui o abraço
apertado no “abraço da paz”, a conversa olho no olho, a oração com imposição de
mãos.Os estudos bíblicos e cultos nas casas. Entretanto, nestes últimos dias, que
parecem uma eternidade, não se pode negar, todxs já foram impactadxs pelos
enfrentamentos de desafios e pelas experiências de ser igreja, a partir das mídias
socias – tecnologia.
Com isso, acredito que a igreja já está se
transformando, de uma forma que ainda não é totalmente visível para todxs, mas
que ficará bastante claro quando a pandemia estiver sob controle e as
comunidades de fé voltarem a se reunir semanalmente, com todas as suas atividades.
Outro exemplo de mudança, falando a partir do que
eu tenho visto em minha denominação, foram as celebrações da semana santa,
todas on line. Depois, coma preocupação com o uso dessas mídias sociais, como
uma reunião que participei, de clerigxs e lideranças, momento este em que se
tenta chegar a um denominador comum sobre a tecnologia e sua influência na vida
da igreja, e com isso o melhor uso dela. E lógico, mesmo sem a clareza necessária,
é preciso e deve-se ter um esforço para perceber os sinais de mudança no
entendimento e no comportamento das pessoas (não só da #SouIEAB) em relação à
igreja; em seu jeito de ser cristã e cristão; a maneira de cada um e uma vivenciarem a fé em
Cristo; o modo de encarar a liderança e
os ministérios da igreja e como clérigos-pastores, pastoras, padres, reverend@s
encaram tudo isso e a disposição destes para fazer uso do que lhes é apresentado.
Quero também ser realista, se não houver um esforço
de todxs, não se terá aprendido as muitas lições preciosas que irão impactar de
maneira significativa as vidas, a vida da igreja. Porque é bem simples: não se pode fugir dessa
realidade e ficar cada um em suas bolhas e suas verdades absolutas.
O afastamento social veio para ensinar que a igreja
não é só o templo e que todas as celebrações não deverão ocorrer só dentro do
templo. Isso torna possível ver a igreja de uma maneira diferente daquela em que
as pessoas estavam acostumadxs a ver. Não somo só templo (construção), a vivência cristã e espiritual não acontece apenas
dentro das paredes do templo, focada apenas na satisfação de desejos espirituais
e voltada só para o atendimento de necessidades emocionais de um grupo. Não se pode
ficar autocentradxs ao redor do próprio umbigo. Longe fisicamente, se percebe que é
preciso ser mais essência da Igreja, que é justamente ser luz para o mundo e
sal para a terra. A seta está direcionada para fora, e indica que o caminho a ser seguido é este.
Redescobrir que não se tem impactado a
sociedade ao nosso redor, porque não se está sendo obedientes ao que o Senhor nos
manda, de que a medida que caminharmos devemos fazer discípulos de todas as
nações.
Nesse período de distanciamento social, tem-se descoberto
o que é essencial na vida da igreja (assim espero). Isso se percebe ao olhar para
o mês de janeiro, que muitxs clérigos tinham suas agendas repletas de
atividades (as vezes atividades em excesso e desnecessárias – me perdoem, mas é
fato). Mas não contavam com a pandemia. A pandemia chegou e desmontou as
agendas, os planejamentos. Tudo foi por água abaixo. O que parecia essencial já
não é mais. Sem essas atividades, todos estão se perguntando o que de fato é o
essencial na vida da igreja e na própria vida.
Talvez alguns estejam encontrando alguns post-its
com lembretes de “Jesus” dizendo que a comunhão semanal da igreja tem, como propósitos
os cultos, que são para celebrar as
maravilhas que Deus realiza semanalmente no meio do seu povo; que os encontros
comunitários são para estreitar os laços entre as pessoas que professam a mesma
fé e fortalecer a todos e todas que enfrentam as mesmas lutas diariamente; e que as reuniões da igreja, dos bispos e
clérigos devem ser a oportunidade de aprendizagem e treinamento para a missão
de proclamar o Evangelho e fazer discípulos, e não apenas estudar a história do
anglicanismo.
Com isso, me vem a memoria, a lembrança da transfiguração
de Jesus. Momento em que Pedro, Tiago e João estão com Jesus em um monte e logo
a aparência de Jesus é transformada em um brilho só. Elias e Moisés se juntam a
eles. Ali estavam em plena comunhão: Jesus, o Mestre; Moisés, o Legislador;
Elias, o Profeta; e Pedro, Tiago e João, os Discípulos. Que encontro maravilhoso,
diz Pedro! Dá até vontade de ficar ali para sempre. E é isso que Pedro sugere
ao dizer ao Senhor: Se quiser, farei três tendas: uma será sua, uma de
Moisés e outra de Elias. (Mateus 17.4). Imediatamente,uma nuvem surge e a
voz de Deus ressoa e diz: Este é meu Filho amado, que me dá grande alegria.
Ouçam-no! (Mateus 17.5). Então, o brilho se apaga e todxs descem o monte transformados
para a missão. Isso é bom! É tão bacana ver
a irmandade desfrutando da comunhão e celebrando os grandes feitos de Deus
semanalmente e, em seguida, saem intencionalmente para servir ao mundo com o
Evangelho. Isso é o essencial na vida da igreja.
Outro fator que eu achei lindo, foi a
descoberta que o Pão do Céu vai muito além do pão da Eucaristia. Agora isso
pode ser feito on line. Celebrações eucarísticas foram feitas on line. Lindo!
Muitas famílias reunidas em suas casa com o pão e o vinho, e juntas comungando
em casa. O separado que se faz junto, que une, todas as pessoas, em suas casa paraticipando
da ceia. A IEAB ainda não conseguiu ir tão longe, é uma pena, porque com isso,
a comunhão-Eucaristia dxs Santxs perdeu de ganhar ganha um novo significado,
que está nas palavras anunciai a morte do Senhor até que ele venha, pois
nos deparamos com pessoas famintas do Pão do Céu e a elas anunciamos o pão
eterno como um oferecimento gracioso de Deus para todos. É amor e graça!
Quando se celebra a Eucaristia ou Ceia, tem-se também
um envio para um mundo carente de pão e de salvação e ambos se encontram em
Jesus: a salvação pela sua morte e ressurreição, e o pão pela solidariedade,
fraternidade e serviço diaconal de seus discípulos para com o mundo.
Nesse período de pandemia vi a igreja em geral e muitos
da IEAB, experimentando a redescoberta da leitura da Bíblia, orações e cultos
domésticos
Isso mesmo que você leu! Anglicano (aqui no Brasil
pelo menos) não tem muito o costume de ler a bíblia todos os dias ou ter estudo
bíblico semanal, seja nas casas ou no templo. Talvez, esse seja o momento de redescobrir
que a leitura e o ensino da Bíblia é um
exercício espiritual diário. Afinal, a Bíblia sempre foi o livro do povo de
Deus. E que ler e não é só coisa de “especialistas”,
porque a teologia é feita com a vida, com as experiencias diárias da vida de
cada pessoa com Deus.
Me recordo que desde que aprendi a ler, a Bíblia
era um livro fantástico. Ao lê-la, sonhava, orava, me encantava. Ler a Bíblia em
casa, nos lares, é ter a autonomia de escolher os textos que mais atendem as
suas necessidades, ou de descobrir textos que ainda não tinham lido e neles
encontrar esperança, fé, além de tornar possível responder perguntas que elas
realmente estão fazendo e não aquelas perguntas que clerigxs imaginam que elas estejam
fazendo ou precisando fazer.
Também me veio a memória, o Sacerdócio Universal de
todos os cristãos e cristãs. Sempre considerei importante e lindo. E o Coronavírus tem forçado muitas pessoas a
descobrirem os seus dons e a colocar esses dons em prática dentro de seus
lares. Na IEAB a gente não se fala muito em dons e talentos, mas é preciso
falar. Dons e talentos existem e precisam ser valorizados. As pessoas precisam
ser valorizadas, todas e não só algumas. Vemos isso, com o isolamento desses
dias. Isolados fisicamente da igreja templo, mulheres e homens, que antes
estavam acostumados a ver algumas responsabilidade como só de clérigxs, agora
começam a redescobrir seus papéis na igreja. Estão tendo mais liberdade para
orar, ler a Biblia, animar outros irmãos e irmãs. O bispo Sumio Takatsu dizia
que o “Anglicanismo sempre foi o ministério de todos os cristãos”, com
criatividade e flexibilidade, ao mesmo tempo mantendo a ordem bíblica e
histórica.
Até antes da pandemia, entendia-se que o encargo de
manter a igreja funcionando era somente daquelas pessoas eleitas ou nomeadas
para cargos e funções e alguns clérigxs faziam questão de ressaltar isso. Agora, não. Descobriu-se que é possível celebrar
em casa, fazer o culto doméstico, ler a Bíblia; contribuindo; distribuindo os
elementos da Eucaristia-Ceia; orando; exercendo liderança; falando do amor de
Deus para outras pessoas.
Você pode dizer que isso as pessoas já faziam. Não
na IEAB! Tudo muito hierárquico. Talvez falta as pessoas perceberem que “Igreja
é o povo e não a hierarquia”.
As pessoas estão redescobrindo que podem assumir esses
compromissos por si mesmas, porque elas percebem que possuem talentos e dons
espirituais e que estão sendo guiadas pelo poder do Espírito Santo. E isso é
diferente, pelo menos para a maioria das igrejas focadas em uma hierarquia
rígida (a nossa) com pouco espaço para o
exercício do sacerdócio de todos os cristãos e cristãs.
E isso nos dá uma nova visão do Reino de Deus
(assim espero). Antes da pandemia a igreja (s) estava (m) autocentrada (s). O
Covid-19 “dispersou a Igreja” que, aos poucos, vai tomando consciência
de que o Reino de Deus está entre nós e que ele é bem maior do que a própria
igreja instituição, templo. Devagar e sem perceber a igreja vai se dando conta
de que seu papel é bem mais modesto do que às vezes queremos atribuir a ela. E
que se formos simplesmente fazendo, trabalhando, cada um com seu talento, não
será tão complicado.
Está se colocando em prática os valores do Reino
dos Céus, como está em Mateus, valores expressos no Sermão da Montanha e que incluem
amar ao próximo e aos inimigos; promover a paz; exercer a misericórdia;
praticar a esmola, a oração e o jejum, entre outros.
E após toda essa pandemia a igreja, nós, não
seremos os mesmos e nem a igreja instituição, não será a mesma (assim espero!), não porque
não se pode mais ser a mesma coisa, mas porque não se deve ser os mesmos.
O Covid-19 está propiciando o tempo necessário para
cada pessoa repensar a forma de ser igreja e a oportunidade única de
redescobrir a vocação como filhas e filhos de Deus e participar ativamente com
voz e vez nas suas comunidades de fé. É cedo para afirmativas, mas as mudanças
que estão em curso na comunidade de fé, já estão gerando transformação e
continuará a transformar para muito além da crise do Coronavírus. Que possamos ver a graciosidade de Deus e
trilhar belos caminhos como corpo de Cristo.
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