Proselitismo ou formação do ser
humano
A LDB - Lei 9.394/96 -, a partir da
redação dada pela Lei n.º 9.475/97, deixa claro que é essencial a superação do
modelo clássico de catequese e de proselitismo. Ou seja, o Estado, a escola e a
sociedade não podem mais considerar o Ensino Religioso como uma simples
formação religiosa ou axiológica, nem considerar o Ensino Religioso como
Catequese ou como uma ação pastoral.
Nesse mesmo modo os Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Religioso - PCNER´s, organizado pelo Fórum
Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER), insere determinados
pressupostos essenciais para o desenvolvimento do Ensino Religioso. Com esse
entendimento, o Ensino Religioso fundamenta-se no entendimento do outro e na
formação integral do educando e exige um profissional “sensível a pluralidade,
consciente da complexidade sócio-cultural da questão religiosa e que garanta a
liberdade do educando sem proselitismo” (FONAPER, 1998)[1].
Nesse
sentido, a formação integral ou holística do ser humano abarca, educar para a
ética, para a solidariedade, para a vida em comunidade, para a participação
ativa na sociedade, para o desenvolvimento do pensamento crítico, criativo e
reflexivo. E a cidadania é o resultado, pois ela é um é um processo, e segundo GADOTTI,
consiste na mobilização da sociedade para a conquista dos direitos civis,
sociais e políticos, ou seja, "Pode-se dizer que cidadania é
essencialmente consciência de direitos e deveres e exercício da democracia [...]"
(1997, p. 38-39). Isso se desenvolve e estimula-se, desde a infância.
E
é nesse contexto que nos deparamos com o Ensino Religioso (ER) nas escolas em
nosso país. Pois o ER escolar integra um projeto mais amplo de educação para a
cidadania plena, e por isso não pode provir de argumentos religiosos, mas antes
de pressupostos educacionais. Por isso, educar alguém é transmitir
conhecimentos e valores. Segundo Passos
A
educação geral, fundada em conhecimentos científicos e valores, assume os
preceitos religiosos como elemento comum às demais áreas que fazem parte dos
currículos e como um dado histórico-cultural fundamental para as finalidades
éticas inerentes à ação educacional. [...] postula-se a importância do
conhecimento da religião para a vida ética e social dos educandos. (PASSOS, 2007,
p. 65-66)
Ou
seja, a formação de valores exige d@ educador/a o compromisso de proporcionar
às gerações dias melhores, sem preconceitos e desrespeito pela religião do
outr@. Não se educa para o presente e sim para o futuro.
Com
isso, percebe-se que a crença religiosa não é incompatível com uma educação
autônoma em relação a valores e ética. Vive-se numa sociedade que prepara indivíduos
que priorizem o bem comum, pessoas que vivam de maneira fraterna e solidária,
com hábitos de solidariedade, justiça, partilha, verdade e respeito às
diferenças. Pois conforme Santos,
[...]
criar situações de aprendizagem interdisciplinar; desencadear situações para a ação
em situações reais que ponham os alunos em contacto com o processo de resolução
de problemas – estratégia privilegiada na identificação e formulação de soluções
para os problemas; relevar aspectos éticos, econômicos, sociais e políticos dos
problemas tratados; trazer para o ensino das ciências valores relacionados com os contextos da ação [...]
(SANTOS, 2002, p. 60)
Logo,
é necessário que haja uma conscientização coletiva onde os indivíduos sejam sensibilizados
a proteger a sua vida e também a de seu próximo. Além disso, devem ser
incentivados a irem contra a manipulação e a repressão e a lutarem pela vivência
da solidariedade, pela comunidade, pela cooperação e pela responsabilidade
social. Dessa forma, é necessário elencar quais aspectos devem ser priorizados
para que se tenha acesso ao conhecimento, à cultura e à informação para que a
democracia e a solidariedade sejam garantidas.
Nesse
sentido, o Ensino Religioso Escolar tem como objeto de estudo: o fenômeno
religioso. E por fenômeno religioso e entende-se o processo de busca que o ser
humano realiza na procura de transcendência, desde a experiência pessoal do transcendente
até a experiência religiosa na partilha do grupo; desde a vivência em
comunidade até a institucionalização pelas Tradições Religiosas.
O
Ensino Religioso veicula um conhecimento específico e um objetivo a ser
perseguido. E esse conhecimento, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais
do Ensino Religioso, não é uma mera informação de conteúdos religiosos, um
saber em si. É um conhecimento que, numa nova visão pedagógica, oportuniza o
saber de si: “o educando conhecerá ao longo do Ensino Fundamental, os elementos
básicos que compõem o fenômeno religioso, para que possa entender melhor a sua
busca do transcendente”.
A desvinculação da
confessionalidade no ER é precondição para que se faça uso eficiente do
conhecimento da Ciência da religião.
Por
isso, o ER deve obter referenciais
teóricos e metodológicos a partir das Ciências da Religião. Pois esta tem por
base, lançar alicerces epistemológicos para o ER. Faz uso do método indutivo, visando à
educação d@ cidad@, pautada na neutralidade científica.
É necessário abrir mão dos modelos utilizados no
passado e até bem recentemente, como o catequético e o teológico. Já que o
catequético é aquele que doutrina, faz parte de uma confissão religiosa. É o
proselitismo. Enquanto que o teológico também está atrelado a uma confissão
religiosa, mas tem uma visão pluralista que até contempla outras religiões não
cristãs. Mas não deixa de ser uma catequese disfarçada, porque não há
neutralidade, pois tem como objetivo a formação religiosa dos cidadãos.
Vale ressaltar que a Ciência da religião não é a
solução para o ER, mas é o caminho, desde que aja de fato, uma neutralidade por
parte dos agentes/professores do ER e seus subsídios didáticos.
O agente/professor torna-se, então facilitador no
processo da busca de conhecimentos, e estes sempre apartir das necessidades dos
alunos. Dialogar pressupõe que partes distintas entrem em relação, conheçam-se,
e estabeleçam vínculos de participação no mundo, sem com isso necessariamente
ocorrer a perda da identidade inicial de qualquer uma das partes, sem, contudo
negar a possibilidade de transformação
de ambas as partes. Neste sentido, é indispensável que o professor de Ensino
Religioso se "alfabetize nos códigos científicos, culturais" das
diferentes estruturas de significações e desenvolva, através desses códigos, o
diálogo e a capacidade de compreender e se aproximar de um panorama plurirreligioso.
O
ponto de partida para que exista o respeito à diversidade na escola é aceitarmos
que os agentes que interagem na escola têm interesses, visões de mundo e culturas
diferentes e nenhum de nós tem o monopólio da verdade. Daí a necessidade de
negociações permanentes para que todos façam concessões e todos tenham ao menos
parte dos seus interesses e valores contemplados no espaço público da escola.
Requer,
ainda, o entendimento e a reflexão no espaço escolar diante do reconhecimento
da justiça e dos direitos de igualdades civil, social, cultural e econômica,
bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os diferentes componentes
culturais de elaboração histórico-cultural da nação brasileira e o reconhecimento
de adoção de políticas educacionais e sociais, de estratégias pedagógicas de
valorização da diversidade, a fim de superar a desigualdade étnicoracial-religiosa,
garantindo o direito Constitucional de liberdade de crença e expressão dela
(Art. 5º, inciso VI, da Constituição Brasileira), que poderá ser efetivado na
medida em que a escola, de forma geral, também contribuam para significar no
cotidiano o respeito à diversidade.
Dentro
do espírito da nova Lei brasileira, um dos princípios que é mais acentuado é o
da tolerância. O educador Paulo Freire comentando a respeito da diversidade cultural,
assim se expressa: “[...] O diferente de nós não é inferior. A intolerância é isso:
é o gosto irresistível de se opor às diferenças [...]”. A tolerância, que é um
dos princípios básicos da relação humana, possibilitará ao professor buscar
capacitar-se de modo que trabalhe a disciplina com honestidade científica e
competência profissional. Isso levará a prestar um melhor serviço à humanidade,
inserindo sua atividade intra e extraclasse dentro do projeto pedagógico da
Escola, de forma abrangente e eficiente, salvaguardando a liberdade religiosa e
o respeito.
Considerações finais
Cabe
destacar que o Ensino Religioso é uma área ainda envolta em polêmicas
resultantes de séculos de inferência da Igreja no Estado e vice-versa. Está sempre
utilizada para interesses institucionais e nem sempre na perspectiva do ensino aprendizagem.
O
espaço político e acadêmico de reflexão sobre o Ensino Religioso precisará
ainda ser aprimorado, ampliado e, com certeza, amadurecido, para que tenhamos
uma área de conhecimento e não a disputa entre missionários escolares e sim
professores licenciados para estarem comprometidos com a educação. O horizonte
para compreender o Ensino Religioso na sua dimensão psicopedagógica está
iniciado, ocorre por parte dos que lutam pela reelaboração e pela sedimentação
dos argumentos e das novas estratégias para esta disciplina. Afinal, no ER a
criança deve ter acesso ao conhecimento religioso plural e não, aos preceitos
de uma ou outra religião.
[1] O tema ER deve ser analisado
pelo STF a partir de uma ação movida por cinco organizações educacionais e de
direitos humanos em março deste ano, que exige que seja assegurado o ensino
religioso não confessional (sem vinculação com igreja ou religião específica).
Um dos pontos contestados é a classificação do ensino como "parte
integrante da formação básica do cidadão" (art. 33 da Lei de Diretrizes
Básicas).