sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Pedro Casaldáliga: A morte não tira o fôlego!

Pedro Casaldáliga: A morte não tira o fôlego!

 
or A entrevista é de Jesús Bastante e publicada pelo sítio Religión Digital. A tradução é do Cepat.
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No começo de dezembro de 2012, o bispo Pedro Casaldálida teve que deixar São Félix do Araguaia, MT, por uma nova série de ameaças de morte. “Ele não queria que seu povo sentisse que estava fugindo”, conta Mari Pepa Raba que, assim como seu marido,José María Concepción, mora há muitos anos perto de Casaldáliga. Ambos, hoje, nos introduzem nesta história.

Felizmente, hoje, Pedro volta a estar em sua casa, em sua diocese e com sua gente, no “simples palácio episcopal” que nos descreve Mari Pepa: “Uma casa simples com janelas de madeira e telas contra mosquitos”.

Ambos nos falam da causa indígena pela qual, segundo reconhece José María, “o Governo brasileiro (também) tomou a decisão política clara”, e confessam que “a morte não tira o fôlego de Pedro Casaldáliga”.
 
Eis a entrevista.

Como está Pedro Casaldáliga neste momento?


José – Ele retornou a São Félix no dia 29 de dezembro, feliz por retornar à sua casa, que havia deixado no dia 07 [de dezembro]. A situação foi se normalizando. Ele nunca quis sair de São Félix, nem sequer quando se aposentou. Para ele é muito importante. Escolheu, inclusive, o lugar no cemitério onde quer ser enterrado.

O que aconteceu para que tivesse que sair dali?

José – A causa fundamental foram duas ameaças concretas, a mais decisiva das quais aconteceu no dia 05 de dezembro. A razão é a causa indígena: o retorno dos Xavante à sua terra de origem, que é um processo que foi se dilatando. O Supremo Tribunal Federal finalmente reconheceu a área indígena que corresponde a este povo Xavante, e pediu a desocupação dos invasores. O Governo brasileiro decidiu cumprir a sentença do Supremo Tribunal, e cada pessoa foi comunicada pessoalmente, latifúndio por latifúndio, que teria que sair. Os latifundiários (entre os quais há políticos, prefeitos, juízes...) chegam a ter latifúndios de 9.000 hectares, e nas mãos de uma mesma família.

Ou seja, que estão devolvendo as terras aos xavantes?

José – Sim, o retorno ainda não foi executado, mas o processo está começando. A expulsão dos Xavante aconteceu na década de 1960, antes da ditadura. Os governos brasileiros decidiram levar a cabo uma espécie de expansão econômica através da colonização e do desenvolvimento da Amazônia. Então, começaram a criar programas subvencionados para as grandes empresas que quisessem investir ali. Havia bancos brasileiros, multinacionais, montadoras... Mediante a redução dos impostos e outra série de benefícios e subsídios, todas as empresas aceitaram, e chegaram a uma zona onde estava a tribo indígena Xavante. Começaram a explorar essa região, criando um latifúndio de quase um milhão de hectares. Um território maior que a província de Madri.

Os índios Xavante foram obrigados a trabalhar como escravos, e quando já não lhes serviam, os expulsaram. O próprio Exército brasileiro colocou um avião para transferir toda a população Xavante a uma espécie de reserva dos salesianos, que trabalharam muito com a etnia Xavante. Assim se iniciou o desmatamento, o aproveitamento da terra para gado, etc., da Amazônia brasileira.

Na I Conferência do Clima de 1992, realizada no Rio de Janeiro, o governo italiano, que participava dessa exploração através de uma empresa, fez o gesto de devolver 160.000 hectares de terra ao governo brasileiro, para que os Xavante pudessem retornar.

Quando os políticos e os latifundiários brasileiros tomaram conhecimento da notícia, se anteciparam e invadiram a terra. Sempre utilizam o artifício de tomar eles mesmos a maior parte possível de terra, mas também o de incentivar que haja camponeses simples, para colocá-los como desculpa no momento em que voltassem a tentar expulsá-los. É mais fácil comprar os camponeses. Sobre esta estratégia, e a invasão que começou em 1992, há muitos documentos.

Uma vez que o Governo brasileiro recebeu as terras, começou um processo de homologação e demarcação. Foram realizados trabalhos antropológicos para decidir se, efetivamente, aí haviam vivido os Xavante, foram feitas escavações nos cemitérios... E em 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto que diz que esses 165.000 hectares passavam a ser de uso dos Xavante.

Mas os invasores recorreram aos seus próprios recursos, até que em outubro passado o Supremo Tribunal Federal decidiu desestimar todos os recursos e apelações, para que se iniciasse efetivamente a devolução. Então, todos os organismos próprios (como a Fundação Nacional do Índio – Funai e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra) começaram a trabalhar no plano, e os latifundiários culparam Pedro Casaldáliga por aquilo. Alguém tinha que ser o bode expiatório, e Pedro é conhecido por ter defendido sempre os índios. “O bispo vermelho”, como o chamam.

A vida de Casaldáliga correu perigo real?

Mari – Depois da primeira ameaça um delegado do governo e a Polícia Federal vieram falar com Pedro. A situação já estava muito inflamada, e o Exército estava alerta. Ali todo o mundo sabe que as coisas se arranjam com uma “visitinha” ao bispo. Isso significa que chegam à tua casa com uma pistola e atiram.

Pedro está tranquilo, porque a questão da morte não se impõe absolutamente, mas a polícia e o governo insistiram na gravidade da situação. Disseram-lhe que tinha que ter um mínimo de cuidado, as portas fechadas... porque a casa de Pedro sempre está aberta. É um palácio episcopal muito simples: uma casa simples com janelas de madeira e telas contra mosquitos. Seu quarto sequer tem porta, apenas uma cortina. E a polícia lhe disse para não confiar tanto. Mas ele disse que a Providência sempre está com ele, e queria esperar. Parecia mais consciente do risco que nós podíamos correr do que do seu próprio. Resistiu para sair porque ele nunca fugiu diante de outras ameaças. Em 2004, um capanga o seguia em seu passeio de todas as manhãs, e Pedro não lhe dava importância. Nós também estávamos relativamente tranquilos, porque ele inspira muita tranquilidade. Creio que ele não queria que seu povo sentisse que estava fugindo, e, além disso, a polícia dizia que estes elementos ameaçavam toda a Prelazia, isto é, todas as pessoas que trabalhavam na Prelazia.

Pedro já apresenta limitações próprias a qualquer pessoa de idade. Por essa razão, o fato de ter que sair de seu lugar e fazer uma viagem longa representa muitíssimo. Eu, pessoalmente, preferia ter escolta na casa ao fato de Pedro ter que sair. Mas também é verdade que não se vê Pedro como um ancião. É um monstro, apesar do pequenininho que é. A simplicidade com que reflete, a liberdade com que conta as piadas, e sua fé, que move montanhas, são enormes.

Finalmente, foi decisão sua deixar o local?

José – Ele se reuniu com as pessoas da casa, com o advogado, com o atual bispo e alguns agentes de pastoral, e depois da oração nos disse que tinha pensado sobre o assunto à noite e que estava disposto a sair. Alugamos um avião pequeno, de apenas dois lugares, e eu saí com ele. Primeiro fomos à cidade de Goiás, porque Pedro queria participar de uma homenagem feita a ele por dom Tomás Balduíno, que foi bispo de São Félix do Araguaia antes de Pedro, e que tem 90 impressionantes anos. Foi um encontro muito bonito, no aeroporto desértico, e depois Pedro pôde participar, com Tomás, de uma reunião com amigos do mosteiro. A homenagem também foi bonita, porque os dois foram dois grandes bispos do Brasil, fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e daComissão Pastoral da Terra (CPT) – ambos organismos que pertencem à CNBB.

No dia seguinte, participamos de uma missa em um mosteiro beneditino onde reside o atual bispo de Goiás, e após a celebração o povo pediu que Pedro falasse. Eu fiquei impressionado como ainda é capaz de, apesar do Parkinson, ajeitar o microfone para falar da esperança com uma lucidez surpreendente. A mim, que o conheço tanto, ainda me surpreende com novas argumentações.

Como está de saúde?

José – É verdade que se cansa muito. É preciso recordar que está com 84 anos. Mas sempre é dependente da sua medicação.

Vão continuar a manter segredo sobre o lugar onde estiveram por aqueles dias?

José – Sim, por uma necessidade de ter de voltar, para que siga sendo um lugar reservado. Posso apenas dizer que era na casa de amigos.

Como casal que vocês são, como viveram esta situação, de perigo objetivo?

Mari – As coisas são tomadas como chegam. É verdade que vinham à casa para nos dizer para que não saíssemos, que estavam ameaçando os agentes de pastoral, diziam que sabiam que havia espanhóis... Mas também não pensávamos nessa ameaça. O que mais respeito nos dava é que havia muito movimento da polícia e do Exército no vilarejo. No domingo, na eucaristia nos demos conta de que as pessoas se sentiam sozinhas sem Pedro. Notava-se sua ausência. O povo estava triste, perguntavam por ele, se iria voltar...

Como foram os dias na clandestinidade? Pedro sentia-se irrequieto por ter se afastado dos seus?

José – Como tínhamos acesso à internet, continuamos com o nosso ritmo de trabalho. O lugar também era muito agradável, na natureza, embora não pudéssemos sair para caminhar como em casa. De Brasília nos inteiravam da situação, iam nos informando sobre o que a imprensa local brasileira, que é muito tendenciosa, não dizia. Não recebíamos visitas, mas podíamos ler e nos comunicar pela internet.

Por que foi possível que Pedro voltasse à sua casa?

José – Nós tínhamos a ideia de que no final do ano pudesse voltar, e Brasília confirmou a data de 29. Devemos reconhecer que o governo brasileiro tomou uma decisão política clara a favor dos índios e a favor da justiça, contrariando muitíssimos políticos. Pedro segue sendo crítico com o governo de Dilma Rousseff por outros motivos, porque são muitos os temas pendentes, inclusive dentro da causa indígena (além dos Xavante, os Guarani, no Mato Grosso do Sul...). Pedro é muito crítico sempre com os megaprojetos e o agronegócio. Dilma é a criadora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É uma economista desenvolvimentista. Por outro lado, o primeiro objetivo que assumiu foi a erradicação da miséria, e é certo que está trabalhando por esse fim, mas forçando o crescimento. E disso Pedro não gosta, porque muitas vezes o crescimento acelerado é invasor. O agro-business está convertendo o Brasil em um dos maiores fornecedores de matérias-primas do mundo, é verdade; mas a monocultura da soja, por exemplo, não deixa lugar para o pequeno camponês, nem para a agricultura familiar da nossa região. Já praticamente tudo é soja.

Mas no caso dos índios da região onde Pedro vive, o governo do Brasil enfrentou o governador do Mato Grosso, a maioria dos políticos e deputados que eram contrários à desocupação de terras, e se manteve firme.

Pedro sentiu falta, por parte do Vaticano ou da Conferência Episcopal Espanhola, de algum tipo de pronunciamento por um bispo da Igreja católica que foi ameaçado de morte e que teve que abandonar sua casa?

José – Pedro não manifestou nada parecido. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pronunciou-se a favor de Pedro, com uma nota de apoio explícito, e aquele que é seu atual secretário visitou várias vezes São Félix do Araguaia e fez uma aposta pela aldeia.

Não sei como soou a Pedro o silêncio da Conferência Episcopal Espanhola, porque ele nunca faz comentários do que outras pessoas poderiam fazer e não fazem, etc. Não faz comentários desse tipo. Ele não quer nenhuma importância para si mesmo. Sempre diz que o importante não é ele, mas suas causas.

Quais são as grandes causas de Pedro Casaldáliga?

José – A terra e a causa indígena. Agora está muito preocupado, em relação à primeira, por este avanço desenvolvimentista que vai tirando espaço do mais humano. E a segunda remonta a 1968, quando Pedro chegou ao Brasil e se encontrou, em sua diocese, com três etnias: os índios Tapirapé, os Carajá e os Xavante, que já haviam sido expulsos. Com a tribo Tapirapé estavam as Irmãs de Jesus que haviam vindo da Argelia. Para entender a origem da causa de Pedro é preciso remontar à espiritualidade de Carlos de Foucauld, cujo lema era “gritar o Evangelho com sua vida”. E para isso é fundamental encarnar-se no povo. Por isso, as Irmãzinhas de Jesus “se fizeram tapirapés”. Isso é evangelizar. E daí surgiu o Cimi fundado por Pedro, a evangelização dos indígenas sem retirá-los de suas aldeias para levá-los a colégios nem nada disso. Pedro se deu conta de que a única coisa que havia que fazer era dignificar a pessoa, e isso consiste em demonstrar que têm qualidades. Ser teimoso. Por isso o Cimi lutou desde o princípio pela defesa da cultura indígena, de seus mitos, sua forma de viver. E logo gerou um movimento social em todo o Brasil, que ainda existia na época da ditadura.

Quando chegou o período constituinte, em 1988, a Constituição outorgou aos índios uma série de direitos que não teria sido possível sem esse movimento social. Atualmente, a elite agrária do Brasil quer reformá-la, de fato, retirar estes direitos que foram conquistados pelo CimiPedro soube lutar por esta causa e comunicá-la, porque ele é um grande comunicador.

Como vocês conheceram Pedro?

Mari – Nós viemos, pela primeira, como turistas, a um povoado muito pobre que se chama Santa Teresinha. Começamos a colaborar nos projetos, perto da aldeia Tapirapé. Um ano nos pediram alguns painéis solares, e através da organização Engenheiros sem Fronteiras e empenhando-nos muito, os conseguimos e os levamos para lá. Ao chegar a São Félix eu fiz um comentário sobre o quanto a viagem tinha sido cansativa carregando os painéis, e Pedro me disse: “Os do Primeiro Mundo, se não trabalharem a solidariedade, não vão se salvar, haja o que houver”.

domingo, 27 de janeiro de 2013

A QUE PONTO CHEGAMOS (compartikhando)

A que ponto chegamos?
 
 
“Vejam só a que ponto chegamos. Agora ele está querendo ser presidente. Não se enxerga? A começar pelos ancestrais, que não são coisa que se recomende. Há fortes boatos de descender de uma mulher de costumes frouxos e suscetível a amores proibidos. O pai, ao que parece,não conseguiu se fixar em emprego algum e alguns chegam mesmo a descrevê-lo como tendo alma de vagabundo. É certo que não seria nunca escolhido como operário padrão.E que dizer do lugar onde nasceu?
Estado dos mais atrasados, sotaque típico, crescido em meio à rudeza dos que não se refinaram para as lides públicas. Podem imaginar o seu comportamento num banquete? Seria vergonhoso, cotovelos sobre a mesa, empurrando a comida com o dedão, falando de boca cheia. Seria um vexame nacional. Acresce o fato de não haver nem mesmo terminado o curso primário, sua educação formal se restrigindo a ler, escrever e fazer as quatro operações. Como trabalhador braçal, excelente. Na verdade, ali é o seu lugar. Como acontece com as pessoas que trabalham muito com o corpo e pouco com a cabeça, seu corpo se desenvolveu de forma invejável.Testemunhas oculares relatam mesmo que, em certa ocasião,não vacilou em se valer dos seus músculos para dobrar um grupo de adversários.
Mas, o que assusta mesmo, é o seu radicalismo em relação às questões do trabalho, especialmente no campo. Pois não é da iniciativa e do capital dos patrões que vêm a riqueza do país? E agora este matuto quer colocar o carro na frente dos bois. Se sua política agrária for colocada em prática é certo que vamos ter uma convulsão social no País.
O nosso sistema de produção vai se desmantelar, com imprevisíveis conseqüências sociais. No final, parece que os empregados tomarão conta de tudo e ao patrões não resta outra alternativa que deixar o País. “Love it or leave it”. Podem guardar seus sorrisos e sua raiva porque isto que escrevi não é sobre quem vocês estão pensando. É sobre Abraham Lincoln.
E o que eu disse sobre sua vida pode ser encontrado na Enciclopédia Britânica, para quem quiser conferir. Imaginei como é que a conversa rolaria nas rodinhas das UDRs, KKKs da época, ante a insólita possibilidade de que um ex-lenhador sem curso primário viesse a ser o presidente do país. Como se sabe, Lincoln foi eleito, os escravos libertados, houve uma enorme convulsão social, pois os donos de escravos se recusaram a aceitar a liberdade dos negros e aqueles que não se ajustaram cumpriram sua promessa: emigraram. Para onde? Muitos para o Brasil. E foi assim que nasceram as cidades de Santa Bárbara do Oeste e Americana. Por que o Brasil? Porque, se não podiam ter escravos lá, poderiam continuar a ter escravos aqui. Nunca imaginei que esta seria uma boa razão para se optar pelo Brasil: para se continuar a ter escravos.Mas os tempos mudaram. Mudaram? Parece que ainda hoje o mesmo horror existe ante a possibilidade de que um operário venha a ser presidente do País. E as conversas que rolam por aqui não devem ser muito diferentes das que rolaram por lá. Parece que a história está cheia de situações parecidas – e é só por isto que podemos aprender dela.
Quem sabe a memória do ex-lenhador que se candidatou a presidente dos Estados Unidos possa nos ajudar a colocar em perspectiva este fato insólito de um operário que se candidata à Presidência do Brasil.
*Rubem Alves

sábado, 26 de janeiro de 2013

O ETERNO MARIDO

Sinto necessidade de ler e reler alguns livros. É terapêutico. Me fazem bem.
 Por esses dias, tenho lido "O Eterno marido". Já o li, mas como disse, gosto de ler e reler. E a cada leitura, mais encantada fico.
Por isso, digo que o que me encanta nos personagens de Dostoiévski é sua humanidade, o humano de sua existência.... São personagens que vacilam, hesitam, titubeiam, cheios de intensos sentimentos seja de ódio, raiva, amor e paixão, medo, rancor, angustia, vingança...
E são apresentados, frequentemente através da lente disforme da incerteza. É livro de poucas páginas, mas muito denso, diálogos intensos, fortes, inteligentes e repletos de cinismo e ironia.
Apresenta, (eu vejo assim, por enquanto) a mais cotidiana e humana das faces do ser humano: a vergonha, a indecisão, o medo diante do outro. 
Em “O Eterno Marido”, Dostoiévski nos diz que : “Após a tristeza, a alegria… assim vai a vida!”. Pois, “a gente bebe o próprio pesar e fica de certo modo embriagado. E então não é mais pesar, é como uma nova natureza que sinto bater em mim…”. Eis o ser humano, humano! Aí está a vida, como ela é…  Delicia de leitura!
 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

É porque Deus nos ama que devemos nos amar - I João 5.1-5

Os textos bíblicos para hoje nos falam de amor, serviço, fé. Ambos resumem-se em: "Há um só Evangelho para tod@s, e tod@s precisam amar a Deus e ao próximo com atos concretos"!
O texto de Atos nos diz que a palavra é pregada e que precisamos ter a capacidade de ver o mundo, a igreja e a nossa vida apartir da perspectiva de Deus.  Deus está dizendo a todos que vivem além da barreira da separação de Deus, que a vida em Jesus e a presença do Espírito Santo quebra tudo que separa você de mim.  Pois uma das grandes barreira da proclamação do Evangelho no passado foi o preconceito e ainda o é nos dias de hoje. Não há um Evangelho separada para judeu e outro para gentios. O que há, é apenas um evangelho para tod@s.
No Evangelho de João 15:9-16 aprendemos que os discípulos de Jesus Cristo o servem e esse serviço não é escravidão, mas amor. Por isso para Jesus, a maior prova da existência do amor é “dar a vida pelos amigos” (v.13). Foi exatamente isto que ele fez por nós (v. 12) e é exatamente isto que ele espera que façamos uns pelos outros. Dar. “Deus amou o mundo de tal maneira que deu...)  Se amamos também seremos capazes da dar; dar nosso tempo, nossa atenção, nosso carinho, nosso abraço, nosso apoio, nossa ajuda, nosso pão, nossa compaixão, nosso perdão, enfim, nossa vida!   Em sua introdução sobre o Evangelho de João, Brakemeier escreve que esse Evangelho compromete a pregação cristã de articular, ao lado da esperança, a realidade da nova vida que, com Jesus, despontou em meio a um mundo cheio de trevas e dor.
E em I João 5:1-6, que é texto que iremos refletir especificamente nesta noite, nos leva a continuarmos a refletir assim, como os outros dois textos, sobre o tema fé e amor. O texto inicia com uma confissão de fé: Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo... (5.1a). Gira em torno das consequências práticas da confissão Jesus é o Cristo. E conclui com a afirmação (apesar de ser em tom de pergunta): Quem é que vence o mundo senão aquela pessoa que crê que Jesus é o Filho de Deus? (5.5.) A partir da confissão de fé, em torno dela e para ela, flui todo o texto.
Com certeza @s irmãos/ãs já ouviram muito falar sobre o amor e a fé. Também muito já indagaram: O que é fé? Fé é amar o próximo, mas, e daí? Como? Será que fé tem algo em comum com o amor?
Tod@s nós sabemos que Deus mostrou seu amor ao mundo, tornando-se humano, um de nós. E este ato solidário criou para nós a possibilidade de encontrarmos o próprio Deus. Deus mostrou-se solidário com sua criatura – nós.
João destaca no capítulo anterior que a fé precisa de ação e que esta ação só pode ser o amor fraternal. Com isso pode-se afirmar que no amor ao irmão ou irmã se reconhece quem pertence a Deus. É nossa fé que supera o mundo, é a nossa fé que confessa Jesus Cristo e que, como consequência, exerce o amor.
Segundo o texto, todas as pessoas que integram a comunidade confessam crer em Jesus (assim como tod@s aqui presentes). Todas confessam amar a Deus. Mas as consequências de sua fé são diferentes. O amor que brota dessa fé se revela de forma distinta. Como medir, pois, a fé autêntica? Como atestar, pois, o amor verdadeiro? Não é este um drama que nos atormenta ao longo da história da Igreja, até hoje?
Vale também frisar que crer, neste texto, significa confirmar, ficar com fé ou permanecer em Cristo. “Jesus é o Cristo” (v.1) é um credo cristológico mais simples e mais antigo dos primeiros cristãos. Em nosso texto esse credo recebe uma atenção especial. O Cristo é o homem Jesus, ou seja, não se trata de uma pessoa espiritual. E quando lemos “nascidos de Deus”, fica claro que mais uma vez Deus se encarnou.
Em vários momentos desta carta, inclusive neste texto, se lê que há critérios que apontam para a fé autêntica. Em seu início, esta perícope indica: (...) porque todo aquele que ama a quem o gerou, ama a quem dele/dela foi gerado (5.1b). Em outras palavras: quem tem amor por seu pai e/ou sua mãe, ama os filhos e as filhas por ele/ela gerados. Ama, portanto, seus próprios irmãos e irmãs; pois, pela ótica de Deus, que nos tem como filhos e filhas, somos irmãos e irmãs. Deus não nos trata como filho único ou como filhas que exigem exclusividade. Ele nos quer como a uma família, em que irmãs e irmãos se ajudam mutuamente.
De acordo com o credo, praticar o amor e os mandamentos é sinal de que se é filh@ de Deus. Amar, aqui, não tem nada a ver com sentimentos entusiásmaticos ou sentimentalistas, mas sim, sublinha a ação responsável diante do irm@, diante do mundo. É assumir as responsabilidades, as consequências dos erros/pecados e acertos.
O teólogo alemão Zink escreveu o seguinte: “Sem fé é impossível – Todo ser humano crê em algo, mesmo pensando que nada crê. Não se pode ver e provar. [...] Pois crer significa confiar. Quem crê confia, mesmo onde nada vê. Está certo da sua causa.”
Segundo Helmut Gollwitzer, confissões de fé que não tem como consequência transformações terrenas e profundas na sociedade não passam de uma questão particular que traz apenas satisfação pessoal. A Confissão de fé em Cristo deve trazer e gerar mudanças na vida das pessoas, na comunidade de fé, na sociedade. É com e apartir de  Jesus de Nazaré que é o Cristo (5.1), que é o Filho de Deus (5.5),  que está toda nossa esperança. Não é por esforço próprio que venceremos o mundo, mas pelo poder que vem dessa fé.
Então, a fé e o amor que nascem de Deus vencem o mundo, porque Deus é amor. Não é qualquer fé que vence o mundo, quem vence é a nossa fé, que é a única. Esta consciência faz com que os mandamentos não sejam penosos.
O amor cristão leva a outra pessoa a ser como Deus quer que ela seja: um ser humano criado à sua imagem.
Amar não é um cumprimento de uma lei divina, mas é reconhecer a situação do irmão no mundo, é reconhecer que o outro também quer ser tratado com justiça, amar é conseqüência do amor de Deus, o qual reconhece de uma maneira real e solidária a situação e necessidade do ser. E amar é algo para agora e não pra amanhã.
Os gestos de amor são, portanto, movidos pela gratidão a Deus. São atos de liberdade, em favor do próximo. Os mandamentos de Deus não são lei, mas apontam possibilidades concretas de amar. Confissão de fé e prática dos mandamentos são inseparáveis. Não se trata de amar por amar. O cristão sabe por que ama. Este saber, que lhe dá um poder incomum, o leva à persistência na luta e lhe dá a esperança de vencer as adversidades.
Amar e ter fé significa romper o esquema das más estruturas, ser subversivo contra a lei humana, contra os círculos viciosos de nossa sociedade. Ou seja, é estar ao lado e com os desprezados pela sociedade, os que enfrentam a dor e a solidão, a indiferença, os pobres, os marginalizados. Pois a fé e o amor que nascem de Deus vencem o mundo, porque Deus é amor.
Na fé, a pessoa nasce de novo todos os dias.  Sabemos que é no encontro com o Sublime, o Sagrado, Jesus/Deus, com o qual podemos reclamar, gritar, chorar toda lágrima, na certeza que depois iremos nos alegrar novamente, porque é na fraqueza que nos tornamos fortes. E o milagre acontece!
Sabe, a sociedade nos manda descartar o outro, porém, Deus nos ordena a carregar o outro. Para Bonhoeffer “o outro só será irmão quando se tornar um fardo, e só então deixará de ser objeto dominado. [...]. Levar o fardo do outro significa aqui suportar a realidade do outro em sua condição de criatura, aceitá-la, e, sofrendo-a, chegar ao ponto de alegrar-se com ela”.
Portanto, somente “quem carrega sabe-se carregado, e somente com esta força poderá carregar”. Seguir na caminhada cristã é mais que dizer que vc se preocupa com o social. Ser Crist@  é trocar nosso fardo pelo de Jesus, e assim nos tornamos carregadores de fardos de esperança, de justiça, de amor, de misericórdia e da paz que excede todo entendimento humano. Andar e carregar o outro é ser solidário, é andar com o outro, é se encontrar com Cristo, é fazer parte do Reino de Deus.
Porque o amor de Deus nos mobiliza, não nos dá sossego, nos põe a experimentar sapatos alheios para ver onde é que eles verdadeiramente nos apertam.. Não podemos ficar em nosso marasmo, não nos cabe permanecer indiferentes ao mundo, porque conforme canta Mercedes Sosa: “Eu só peço a Deus que a dor não me seja indiferente...” E eu digo: Só sabe o que é o amor quem experimentou Deus. Quem busca meramente a realização pessoal ou a autogratificação viverá um amor insosso, sem sabor (como chuchu.). O amor é doação, é gratuidade.
E quem ama e tem fé, “[...] crê em Deus não é um otimista. Ele não precisa do pensamento positivo. Quem crê em Deus não é pessimista. Quem ora a Deus confia em Deus.” Apenas crê como disse Moltmann.
E que, com as palavras lidas nos textos bíblicos de hoje e a palavra partilhada, tenhamos fé, esperança e amor, para que, como Igreja, e como cristãos/ãs sejamos portadores/as dos sinais do reinado de Deus e que possamos ver no mundo a esperança que o Dia do Senhor proclama. E Que Deus nos abençoe!
Odete Liber de AAdriano (prédica falada na IEAB - Londrina - PR)