Pedro Casaldáliga: A morte não tira o fôlego!
or A entrevista é de Jesús Bastante e publicada pelo sítio Religión Digital. A tradução é do Cepat.
No começo de dezembro de 2012, o bispo Pedro Casaldálida teve que deixar São Félix do Araguaia, MT, por uma nova série de ameaças de morte. “Ele não queria que seu povo sentisse que estava fugindo”, conta Mari Pepa Raba que, assim como seu marido,José María Concepción, mora há muitos anos perto de Casaldáliga. Ambos, hoje, nos introduzem nesta história.
Felizmente, hoje, Pedro volta a estar em sua casa, em sua diocese e com sua gente, no “simples palácio episcopal” que nos descreve Mari Pepa: “Uma casa simples com janelas de madeira e telas contra mosquitos”.
Ambos nos falam da causa indígena pela qual, segundo reconhece José María, “o Governo brasileiro (também) tomou a decisão política clara”, e confessam que “a morte não tira o fôlego de Pedro Casaldáliga”.
Felizmente, hoje, Pedro volta a estar em sua casa, em sua diocese e com sua gente, no “simples palácio episcopal” que nos descreve Mari Pepa: “Uma casa simples com janelas de madeira e telas contra mosquitos”.
Ambos nos falam da causa indígena pela qual, segundo reconhece José María, “o Governo brasileiro (também) tomou a decisão política clara”, e confessam que “a morte não tira o fôlego de Pedro Casaldáliga”.
Eis a entrevista.
Como está Pedro Casaldáliga neste momento?
José – Ele retornou a São Félix no dia 29 de dezembro, feliz por retornar à sua casa, que havia deixado no dia 07 [de dezembro]. A situação foi se normalizando. Ele nunca quis sair de São Félix, nem sequer quando se aposentou. Para ele é muito importante. Escolheu, inclusive, o lugar no cemitério onde quer ser enterrado.
O que aconteceu para que tivesse que sair dali?
José – A causa fundamental foram duas ameaças concretas, a mais decisiva das quais aconteceu no dia 05 de dezembro. A razão é a causa indígena: o retorno dos Xavante à sua terra de origem, que é um processo que foi se dilatando. O Supremo Tribunal Federal finalmente reconheceu a área indígena que corresponde a este povo Xavante, e pediu a desocupação dos invasores. O Governo brasileiro decidiu cumprir a sentença do Supremo Tribunal, e cada pessoa foi comunicada pessoalmente, latifúndio por latifúndio, que teria que sair. Os latifundiários (entre os quais há políticos, prefeitos, juízes...) chegam a ter latifúndios de 9.000 hectares, e nas mãos de uma mesma família.
Ou seja, que estão devolvendo as terras aos xavantes?
José – Sim, o retorno ainda não foi executado, mas o processo está começando. A expulsão dos Xavante aconteceu na década de 1960, antes da ditadura. Os governos brasileiros decidiram levar a cabo uma espécie de expansão econômica através da colonização e do desenvolvimento da Amazônia. Então, começaram a criar programas subvencionados para as grandes empresas que quisessem investir ali. Havia bancos brasileiros, multinacionais, montadoras... Mediante a redução dos impostos e outra série de benefícios e subsídios, todas as empresas aceitaram, e chegaram a uma zona onde estava a tribo indígena Xavante. Começaram a explorar essa região, criando um latifúndio de quase um milhão de hectares. Um território maior que a província de Madri.
Os índios Xavante foram obrigados a trabalhar como escravos, e quando já não lhes serviam, os expulsaram. O próprio Exército brasileiro colocou um avião para transferir toda a população Xavante a uma espécie de reserva dos salesianos, que trabalharam muito com a etnia Xavante. Assim se iniciou o desmatamento, o aproveitamento da terra para gado, etc., da Amazônia brasileira.
Na I Conferência do Clima de 1992, realizada no Rio de Janeiro, o governo italiano, que participava dessa exploração através de uma empresa, fez o gesto de devolver 160.000 hectares de terra ao governo brasileiro, para que os Xavante pudessem retornar.
Quando os políticos e os latifundiários brasileiros tomaram conhecimento da notícia, se anteciparam e invadiram a terra. Sempre utilizam o artifício de tomar eles mesmos a maior parte possível de terra, mas também o de incentivar que haja camponeses simples, para colocá-los como desculpa no momento em que voltassem a tentar expulsá-los. É mais fácil comprar os camponeses. Sobre esta estratégia, e a invasão que começou em 1992, há muitos documentos.
Uma vez que o Governo brasileiro recebeu as terras, começou um processo de homologação e demarcação. Foram realizados trabalhos antropológicos para decidir se, efetivamente, aí haviam vivido os Xavante, foram feitas escavações nos cemitérios... E em 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto que diz que esses 165.000 hectares passavam a ser de uso dos Xavante.
Mas os invasores recorreram aos seus próprios recursos, até que em outubro passado o Supremo Tribunal Federal decidiu desestimar todos os recursos e apelações, para que se iniciasse efetivamente a devolução. Então, todos os organismos próprios (como a Fundação Nacional do Índio – Funai e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra) começaram a trabalhar no plano, e os latifundiários culparam Pedro Casaldáliga por aquilo. Alguém tinha que ser o bode expiatório, e Pedro é conhecido por ter defendido sempre os índios. “O bispo vermelho”, como o chamam.
A vida de Casaldáliga correu perigo real?
Mari – Depois da primeira ameaça um delegado do governo e a Polícia Federal vieram falar com Pedro. A situação já estava muito inflamada, e o Exército estava alerta. Ali todo o mundo sabe que as coisas se arranjam com uma “visitinha” ao bispo. Isso significa que chegam à tua casa com uma pistola e atiram.
Pedro está tranquilo, porque a questão da morte não se impõe absolutamente, mas a polícia e o governo insistiram na gravidade da situação. Disseram-lhe que tinha que ter um mínimo de cuidado, as portas fechadas... porque a casa de Pedro sempre está aberta. É um palácio episcopal muito simples: uma casa simples com janelas de madeira e telas contra mosquitos. Seu quarto sequer tem porta, apenas uma cortina. E a polícia lhe disse para não confiar tanto. Mas ele disse que a Providência sempre está com ele, e queria esperar. Parecia mais consciente do risco que nós podíamos correr do que do seu próprio. Resistiu para sair porque ele nunca fugiu diante de outras ameaças. Em 2004, um capanga o seguia em seu passeio de todas as manhãs, e Pedro não lhe dava importância. Nós também estávamos relativamente tranquilos, porque ele inspira muita tranquilidade. Creio que ele não queria que seu povo sentisse que estava fugindo, e, além disso, a polícia dizia que estes elementos ameaçavam toda a Prelazia, isto é, todas as pessoas que trabalhavam na Prelazia.
Pedro já apresenta limitações próprias a qualquer pessoa de idade. Por essa razão, o fato de ter que sair de seu lugar e fazer uma viagem longa representa muitíssimo. Eu, pessoalmente, preferia ter escolta na casa ao fato de Pedro ter que sair. Mas também é verdade que não se vê Pedro como um ancião. É um monstro, apesar do pequenininho que é. A simplicidade com que reflete, a liberdade com que conta as piadas, e sua fé, que move montanhas, são enormes.
Finalmente, foi decisão sua deixar o local?
José – Ele se reuniu com as pessoas da casa, com o advogado, com o atual bispo e alguns agentes de pastoral, e depois da oração nos disse que tinha pensado sobre o assunto à noite e que estava disposto a sair. Alugamos um avião pequeno, de apenas dois lugares, e eu saí com ele. Primeiro fomos à cidade de Goiás, porque Pedro queria participar de uma homenagem feita a ele por dom Tomás Balduíno, que foi bispo de São Félix do Araguaia antes de Pedro, e que tem 90 impressionantes anos. Foi um encontro muito bonito, no aeroporto desértico, e depois Pedro pôde participar, com Tomás, de uma reunião com amigos do mosteiro. A homenagem também foi bonita, porque os dois foram dois grandes bispos do Brasil, fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e daComissão Pastoral da Terra (CPT) – ambos organismos que pertencem à CNBB.
No dia seguinte, participamos de uma missa em um mosteiro beneditino onde reside o atual bispo de Goiás, e após a celebração o povo pediu que Pedro falasse. Eu fiquei impressionado como ainda é capaz de, apesar do Parkinson, ajeitar o microfone para falar da esperança com uma lucidez surpreendente. A mim, que o conheço tanto, ainda me surpreende com novas argumentações.
Como está de saúde?
José – É verdade que se cansa muito. É preciso recordar que está com 84 anos. Mas sempre é dependente da sua medicação.
Vão continuar a manter segredo sobre o lugar onde estiveram por aqueles dias?
José – Sim, por uma necessidade de ter de voltar, para que siga sendo um lugar reservado. Posso apenas dizer que era na casa de amigos.
Como casal que vocês são, como viveram esta situação, de perigo objetivo?
Mari – As coisas são tomadas como chegam. É verdade que vinham à casa para nos dizer para que não saíssemos, que estavam ameaçando os agentes de pastoral, diziam que sabiam que havia espanhóis... Mas também não pensávamos nessa ameaça. O que mais respeito nos dava é que havia muito movimento da polícia e do Exército no vilarejo. No domingo, na eucaristia nos demos conta de que as pessoas se sentiam sozinhas sem Pedro. Notava-se sua ausência. O povo estava triste, perguntavam por ele, se iria voltar...
Como foram os dias na clandestinidade? Pedro sentia-se irrequieto por ter se afastado dos seus?
José – Como tínhamos acesso à internet, continuamos com o nosso ritmo de trabalho. O lugar também era muito agradável, na natureza, embora não pudéssemos sair para caminhar como em casa. De Brasília nos inteiravam da situação, iam nos informando sobre o que a imprensa local brasileira, que é muito tendenciosa, não dizia. Não recebíamos visitas, mas podíamos ler e nos comunicar pela internet.
Por que foi possível que Pedro voltasse à sua casa?
José – Nós tínhamos a ideia de que no final do ano pudesse voltar, e Brasília confirmou a data de 29. Devemos reconhecer que o governo brasileiro tomou uma decisão política clara a favor dos índios e a favor da justiça, contrariando muitíssimos políticos. Pedro segue sendo crítico com o governo de Dilma Rousseff por outros motivos, porque são muitos os temas pendentes, inclusive dentro da causa indígena (além dos Xavante, os Guarani, no Mato Grosso do Sul...). Pedro é muito crítico sempre com os megaprojetos e o agronegócio. Dilma é a criadora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É uma economista desenvolvimentista. Por outro lado, o primeiro objetivo que assumiu foi a erradicação da miséria, e é certo que está trabalhando por esse fim, mas forçando o crescimento. E disso Pedro não gosta, porque muitas vezes o crescimento acelerado é invasor. O agro-business está convertendo o Brasil em um dos maiores fornecedores de matérias-primas do mundo, é verdade; mas a monocultura da soja, por exemplo, não deixa lugar para o pequeno camponês, nem para a agricultura familiar da nossa região. Já praticamente tudo é soja.
Mas no caso dos índios da região onde Pedro vive, o governo do Brasil enfrentou o governador do Mato Grosso, a maioria dos políticos e deputados que eram contrários à desocupação de terras, e se manteve firme.
Pedro sentiu falta, por parte do Vaticano ou da Conferência Episcopal Espanhola, de algum tipo de pronunciamento por um bispo da Igreja católica que foi ameaçado de morte e que teve que abandonar sua casa?
José – Pedro não manifestou nada parecido. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pronunciou-se a favor de Pedro, com uma nota de apoio explícito, e aquele que é seu atual secretário visitou várias vezes São Félix do Araguaia e fez uma aposta pela aldeia.
Não sei como soou a Pedro o silêncio da Conferência Episcopal Espanhola, porque ele nunca faz comentários do que outras pessoas poderiam fazer e não fazem, etc. Não faz comentários desse tipo. Ele não quer nenhuma importância para si mesmo. Sempre diz que o importante não é ele, mas suas causas.
Quais são as grandes causas de Pedro Casaldáliga?
José – A terra e a causa indígena. Agora está muito preocupado, em relação à primeira, por este avanço desenvolvimentista que vai tirando espaço do mais humano. E a segunda remonta a 1968, quando Pedro chegou ao Brasil e se encontrou, em sua diocese, com três etnias: os índios Tapirapé, os Carajá e os Xavante, que já haviam sido expulsos. Com a tribo Tapirapé estavam as Irmãs de Jesus que haviam vindo da Argelia. Para entender a origem da causa de Pedro é preciso remontar à espiritualidade de Carlos de Foucauld, cujo lema era “gritar o Evangelho com sua vida”. E para isso é fundamental encarnar-se no povo. Por isso, as Irmãzinhas de Jesus “se fizeram tapirapés”. Isso é evangelizar. E daí surgiu o Cimi fundado por Pedro, a evangelização dos indígenas sem retirá-los de suas aldeias para levá-los a colégios nem nada disso. Pedro se deu conta de que a única coisa que havia que fazer era dignificar a pessoa, e isso consiste em demonstrar que têm qualidades. Ser teimoso. Por isso o Cimi lutou desde o princípio pela defesa da cultura indígena, de seus mitos, sua forma de viver. E logo gerou um movimento social em todo o Brasil, que ainda existia na época da ditadura.
Quando chegou o período constituinte, em 1988, a Constituição outorgou aos índios uma série de direitos que não teria sido possível sem esse movimento social. Atualmente, a elite agrária do Brasil quer reformá-la, de fato, retirar estes direitos que foram conquistados pelo Cimi. Pedro soube lutar por esta causa e comunicá-la, porque ele é um grande comunicador.
Como vocês conheceram Pedro?
Mari – Nós viemos, pela primeira, como turistas, a um povoado muito pobre que se chama Santa Teresinha. Começamos a colaborar nos projetos, perto da aldeia Tapirapé. Um ano nos pediram alguns painéis solares, e através da organização Engenheiros sem Fronteiras e empenhando-nos muito, os conseguimos e os levamos para lá. Ao chegar a São Félix eu fiz um comentário sobre o quanto a viagem tinha sido cansativa carregando os painéis, e Pedro me disse: “Os do Primeiro Mundo, se não trabalharem a solidariedade, não vão se salvar, haja o que houver”.
Como está Pedro Casaldáliga neste momento?
José – Ele retornou a São Félix no dia 29 de dezembro, feliz por retornar à sua casa, que havia deixado no dia 07 [de dezembro]. A situação foi se normalizando. Ele nunca quis sair de São Félix, nem sequer quando se aposentou. Para ele é muito importante. Escolheu, inclusive, o lugar no cemitério onde quer ser enterrado.
O que aconteceu para que tivesse que sair dali?
José – A causa fundamental foram duas ameaças concretas, a mais decisiva das quais aconteceu no dia 05 de dezembro. A razão é a causa indígena: o retorno dos Xavante à sua terra de origem, que é um processo que foi se dilatando. O Supremo Tribunal Federal finalmente reconheceu a área indígena que corresponde a este povo Xavante, e pediu a desocupação dos invasores. O Governo brasileiro decidiu cumprir a sentença do Supremo Tribunal, e cada pessoa foi comunicada pessoalmente, latifúndio por latifúndio, que teria que sair. Os latifundiários (entre os quais há políticos, prefeitos, juízes...) chegam a ter latifúndios de 9.000 hectares, e nas mãos de uma mesma família.
Ou seja, que estão devolvendo as terras aos xavantes?
José – Sim, o retorno ainda não foi executado, mas o processo está começando. A expulsão dos Xavante aconteceu na década de 1960, antes da ditadura. Os governos brasileiros decidiram levar a cabo uma espécie de expansão econômica através da colonização e do desenvolvimento da Amazônia. Então, começaram a criar programas subvencionados para as grandes empresas que quisessem investir ali. Havia bancos brasileiros, multinacionais, montadoras... Mediante a redução dos impostos e outra série de benefícios e subsídios, todas as empresas aceitaram, e chegaram a uma zona onde estava a tribo indígena Xavante. Começaram a explorar essa região, criando um latifúndio de quase um milhão de hectares. Um território maior que a província de Madri.
Os índios Xavante foram obrigados a trabalhar como escravos, e quando já não lhes serviam, os expulsaram. O próprio Exército brasileiro colocou um avião para transferir toda a população Xavante a uma espécie de reserva dos salesianos, que trabalharam muito com a etnia Xavante. Assim se iniciou o desmatamento, o aproveitamento da terra para gado, etc., da Amazônia brasileira.
Na I Conferência do Clima de 1992, realizada no Rio de Janeiro, o governo italiano, que participava dessa exploração através de uma empresa, fez o gesto de devolver 160.000 hectares de terra ao governo brasileiro, para que os Xavante pudessem retornar.
Quando os políticos e os latifundiários brasileiros tomaram conhecimento da notícia, se anteciparam e invadiram a terra. Sempre utilizam o artifício de tomar eles mesmos a maior parte possível de terra, mas também o de incentivar que haja camponeses simples, para colocá-los como desculpa no momento em que voltassem a tentar expulsá-los. É mais fácil comprar os camponeses. Sobre esta estratégia, e a invasão que começou em 1992, há muitos documentos.
Uma vez que o Governo brasileiro recebeu as terras, começou um processo de homologação e demarcação. Foram realizados trabalhos antropológicos para decidir se, efetivamente, aí haviam vivido os Xavante, foram feitas escavações nos cemitérios... E em 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto que diz que esses 165.000 hectares passavam a ser de uso dos Xavante.
Mas os invasores recorreram aos seus próprios recursos, até que em outubro passado o Supremo Tribunal Federal decidiu desestimar todos os recursos e apelações, para que se iniciasse efetivamente a devolução. Então, todos os organismos próprios (como a Fundação Nacional do Índio – Funai e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra) começaram a trabalhar no plano, e os latifundiários culparam Pedro Casaldáliga por aquilo. Alguém tinha que ser o bode expiatório, e Pedro é conhecido por ter defendido sempre os índios. “O bispo vermelho”, como o chamam.
A vida de Casaldáliga correu perigo real?
Mari – Depois da primeira ameaça um delegado do governo e a Polícia Federal vieram falar com Pedro. A situação já estava muito inflamada, e o Exército estava alerta. Ali todo o mundo sabe que as coisas se arranjam com uma “visitinha” ao bispo. Isso significa que chegam à tua casa com uma pistola e atiram.
Pedro está tranquilo, porque a questão da morte não se impõe absolutamente, mas a polícia e o governo insistiram na gravidade da situação. Disseram-lhe que tinha que ter um mínimo de cuidado, as portas fechadas... porque a casa de Pedro sempre está aberta. É um palácio episcopal muito simples: uma casa simples com janelas de madeira e telas contra mosquitos. Seu quarto sequer tem porta, apenas uma cortina. E a polícia lhe disse para não confiar tanto. Mas ele disse que a Providência sempre está com ele, e queria esperar. Parecia mais consciente do risco que nós podíamos correr do que do seu próprio. Resistiu para sair porque ele nunca fugiu diante de outras ameaças. Em 2004, um capanga o seguia em seu passeio de todas as manhãs, e Pedro não lhe dava importância. Nós também estávamos relativamente tranquilos, porque ele inspira muita tranquilidade. Creio que ele não queria que seu povo sentisse que estava fugindo, e, além disso, a polícia dizia que estes elementos ameaçavam toda a Prelazia, isto é, todas as pessoas que trabalhavam na Prelazia.
Pedro já apresenta limitações próprias a qualquer pessoa de idade. Por essa razão, o fato de ter que sair de seu lugar e fazer uma viagem longa representa muitíssimo. Eu, pessoalmente, preferia ter escolta na casa ao fato de Pedro ter que sair. Mas também é verdade que não se vê Pedro como um ancião. É um monstro, apesar do pequenininho que é. A simplicidade com que reflete, a liberdade com que conta as piadas, e sua fé, que move montanhas, são enormes.
Finalmente, foi decisão sua deixar o local?
José – Ele se reuniu com as pessoas da casa, com o advogado, com o atual bispo e alguns agentes de pastoral, e depois da oração nos disse que tinha pensado sobre o assunto à noite e que estava disposto a sair. Alugamos um avião pequeno, de apenas dois lugares, e eu saí com ele. Primeiro fomos à cidade de Goiás, porque Pedro queria participar de uma homenagem feita a ele por dom Tomás Balduíno, que foi bispo de São Félix do Araguaia antes de Pedro, e que tem 90 impressionantes anos. Foi um encontro muito bonito, no aeroporto desértico, e depois Pedro pôde participar, com Tomás, de uma reunião com amigos do mosteiro. A homenagem também foi bonita, porque os dois foram dois grandes bispos do Brasil, fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e daComissão Pastoral da Terra (CPT) – ambos organismos que pertencem à CNBB.
No dia seguinte, participamos de uma missa em um mosteiro beneditino onde reside o atual bispo de Goiás, e após a celebração o povo pediu que Pedro falasse. Eu fiquei impressionado como ainda é capaz de, apesar do Parkinson, ajeitar o microfone para falar da esperança com uma lucidez surpreendente. A mim, que o conheço tanto, ainda me surpreende com novas argumentações.
Como está de saúde?
José – É verdade que se cansa muito. É preciso recordar que está com 84 anos. Mas sempre é dependente da sua medicação.
Vão continuar a manter segredo sobre o lugar onde estiveram por aqueles dias?
José – Sim, por uma necessidade de ter de voltar, para que siga sendo um lugar reservado. Posso apenas dizer que era na casa de amigos.
Como casal que vocês são, como viveram esta situação, de perigo objetivo?
Mari – As coisas são tomadas como chegam. É verdade que vinham à casa para nos dizer para que não saíssemos, que estavam ameaçando os agentes de pastoral, diziam que sabiam que havia espanhóis... Mas também não pensávamos nessa ameaça. O que mais respeito nos dava é que havia muito movimento da polícia e do Exército no vilarejo. No domingo, na eucaristia nos demos conta de que as pessoas se sentiam sozinhas sem Pedro. Notava-se sua ausência. O povo estava triste, perguntavam por ele, se iria voltar...
Como foram os dias na clandestinidade? Pedro sentia-se irrequieto por ter se afastado dos seus?
José – Como tínhamos acesso à internet, continuamos com o nosso ritmo de trabalho. O lugar também era muito agradável, na natureza, embora não pudéssemos sair para caminhar como em casa. De Brasília nos inteiravam da situação, iam nos informando sobre o que a imprensa local brasileira, que é muito tendenciosa, não dizia. Não recebíamos visitas, mas podíamos ler e nos comunicar pela internet.
Por que foi possível que Pedro voltasse à sua casa?
José – Nós tínhamos a ideia de que no final do ano pudesse voltar, e Brasília confirmou a data de 29. Devemos reconhecer que o governo brasileiro tomou uma decisão política clara a favor dos índios e a favor da justiça, contrariando muitíssimos políticos. Pedro segue sendo crítico com o governo de Dilma Rousseff por outros motivos, porque são muitos os temas pendentes, inclusive dentro da causa indígena (além dos Xavante, os Guarani, no Mato Grosso do Sul...). Pedro é muito crítico sempre com os megaprojetos e o agronegócio. Dilma é a criadora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É uma economista desenvolvimentista. Por outro lado, o primeiro objetivo que assumiu foi a erradicação da miséria, e é certo que está trabalhando por esse fim, mas forçando o crescimento. E disso Pedro não gosta, porque muitas vezes o crescimento acelerado é invasor. O agro-business está convertendo o Brasil em um dos maiores fornecedores de matérias-primas do mundo, é verdade; mas a monocultura da soja, por exemplo, não deixa lugar para o pequeno camponês, nem para a agricultura familiar da nossa região. Já praticamente tudo é soja.
Mas no caso dos índios da região onde Pedro vive, o governo do Brasil enfrentou o governador do Mato Grosso, a maioria dos políticos e deputados que eram contrários à desocupação de terras, e se manteve firme.
Pedro sentiu falta, por parte do Vaticano ou da Conferência Episcopal Espanhola, de algum tipo de pronunciamento por um bispo da Igreja católica que foi ameaçado de morte e que teve que abandonar sua casa?
José – Pedro não manifestou nada parecido. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pronunciou-se a favor de Pedro, com uma nota de apoio explícito, e aquele que é seu atual secretário visitou várias vezes São Félix do Araguaia e fez uma aposta pela aldeia.
Não sei como soou a Pedro o silêncio da Conferência Episcopal Espanhola, porque ele nunca faz comentários do que outras pessoas poderiam fazer e não fazem, etc. Não faz comentários desse tipo. Ele não quer nenhuma importância para si mesmo. Sempre diz que o importante não é ele, mas suas causas.
Quais são as grandes causas de Pedro Casaldáliga?
José – A terra e a causa indígena. Agora está muito preocupado, em relação à primeira, por este avanço desenvolvimentista que vai tirando espaço do mais humano. E a segunda remonta a 1968, quando Pedro chegou ao Brasil e se encontrou, em sua diocese, com três etnias: os índios Tapirapé, os Carajá e os Xavante, que já haviam sido expulsos. Com a tribo Tapirapé estavam as Irmãs de Jesus que haviam vindo da Argelia. Para entender a origem da causa de Pedro é preciso remontar à espiritualidade de Carlos de Foucauld, cujo lema era “gritar o Evangelho com sua vida”. E para isso é fundamental encarnar-se no povo. Por isso, as Irmãzinhas de Jesus “se fizeram tapirapés”. Isso é evangelizar. E daí surgiu o Cimi fundado por Pedro, a evangelização dos indígenas sem retirá-los de suas aldeias para levá-los a colégios nem nada disso. Pedro se deu conta de que a única coisa que havia que fazer era dignificar a pessoa, e isso consiste em demonstrar que têm qualidades. Ser teimoso. Por isso o Cimi lutou desde o princípio pela defesa da cultura indígena, de seus mitos, sua forma de viver. E logo gerou um movimento social em todo o Brasil, que ainda existia na época da ditadura.
Quando chegou o período constituinte, em 1988, a Constituição outorgou aos índios uma série de direitos que não teria sido possível sem esse movimento social. Atualmente, a elite agrária do Brasil quer reformá-la, de fato, retirar estes direitos que foram conquistados pelo Cimi. Pedro soube lutar por esta causa e comunicá-la, porque ele é um grande comunicador.
Como vocês conheceram Pedro?
Mari – Nós viemos, pela primeira, como turistas, a um povoado muito pobre que se chama Santa Teresinha. Começamos a colaborar nos projetos, perto da aldeia Tapirapé. Um ano nos pediram alguns painéis solares, e através da organização Engenheiros sem Fronteiras e empenhando-nos muito, os conseguimos e os levamos para lá. Ao chegar a São Félix eu fiz um comentário sobre o quanto a viagem tinha sido cansativa carregando os painéis, e Pedro me disse: “Os do Primeiro Mundo, se não trabalharem a solidariedade, não vão se salvar, haja o que houver”.