terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A MISSÃO EM MARCOS

A MISSÃO EM MARCOS

Dr. Frei Vicente Artuso – Professor de Teologia da PUCPR

 

I-Sumário da missão de Jesus:
Em Mt e Mc o ministério publico de Jesus começa com a proclamação: “O tempo se cumpriu e o reino de Deus está próximo, arrependei-vos e crede no evangelho”. Mc 1,14-15; Mt 4,17
1-o tempo se cumpriu (peplerotai) – é o momento, kairós de anunciar, é urgente,
Em Mc euthus, imediatamente Jesus foi anunciar, curar, anunciar, pregar,
2- O reino de Deus está próximo: basileia tou Theou: O reino é o amor do Pai, que salva a humanidade na pessoa, na palavra e na ação de Jesus.
3-Arrependei-vos, metanoeite – mudança, de mentalidade, dos valores que contam, da linha de pensamento, das estruturas de pecado. Trata-se de incutir uma nova mentalidade evangélica,
4- crede no evangelho: A fé vem junto com a conversão:
(Vendo a fé dos que carregavam o paralítico…(Mc 2), não tenha medo mas creia…disse ao chefe da sinagoga no milagre da cura de Talita (Mc 5,36) Tudo é possível ao que cré (Mc 9,23). Em verdade vos digo se disser a este monte…se crer, isso acontecerá (Mc 11,23)
Tudo que pedires, crede, que tenhas recebido e isso acontecerá (11,24)
Quem crer e for batizado será salvo, e sinais acompanham os que crerem (Mc 16,16-17)
-A missão é urgente, o tempo é agora,
-o reino está próximo, está presente e deve acontecer
-a exigência do reino para que aconteça é preciso fé e conversão

II-Conceito de missão e vocabulário em torno da missão
No AT - Schaliah-enviar – quem recebe missão é enviado e tem ligação com aquele que envia – fidelidade a pessoa, a tarefa confiada, a palavra a ser transmitida.
No NT- apostelo, eu envio. (12 v. em Mc, em Lc.27 v. mt 23)
Mc 1,2- eis que envio (apostelo) o meu mensageiro (angelon mou)- há grande fidelidade de J.Batista na missão: O mesmo que João prega, Jesus prega. Em Mt, o mesmo conteúdo da pregação de João Batista é o conteúdo da pregação de Jesus: “arrependei-vos porque o reino dos céus está próximo” (Mt 3,2 e 4,17)
Mc 3,13-14: Subiu a montanha, chamou a si, constituiu doze, para que ficassem com ele, a fim de enviá-los (apostelei) a anunciar (kerusein) e ter autoridade (exousian de expulsar demônios)
Mc 6,6b-7: Ele percorria os povoados circunvizinhos, ensinando (edidaskein) (6,6) chamou (ekalesen) a si os doze, e começou a enviá-los (apostelein) dois a dois.
A missão aparece em 6,12-13: Partindo eles, pregavam (kerusein) que todos se arrependessem, e expulsavam muitos demônios ungindo-os com óleo.
Mc 8,26- o cego de betsaida curado Mc, relata que “Jesus enviou-o (apostelein) para casa dizendo “não entres no povoado”
Mc. 9,17- aquele que me recebe, não recebe a mim mas aquele que me enviou –ton aposteilanta me, (identidade entre o que envia e o enviado)
Mc 12,2-13- na parábola dos vinhateiros homicidas é onde aparece 6 vezes o verbo apesteilen (enviou) (insistência no envio)
Outro termo importante em Marcos: é ensinar (didaskein) 17 vezes:
A característica do ensino, não é a palavra pronunciada mas a prática, basta ver os milagres, Jesus ensina fazendo (Mc 1,28ss, 2,1-4; 1,40-45) Era um ensino com autoridade, éra um ensino constante até no templo: “cada dia estava com vocês no templo ensinando (didaskon) e não me prendeste” (Mc 14,49)
Ensinava na sinagoga aos sábados (Mc 1,21-28)
Ensinava com autoridade e não como os escribas (Mc 1,22)
Todo povo veio a ele e ensinava a beira mar.(Mc 2,13)
De novo começou a ensinar junto ao mar (Mc 4,1) em parábolas (4,2)
Percorria as aldeias ensinando (Mc 6,2)
Vendo a multidão, sentiu compaixão, e começou a ensinar (Mc 6,30)
Começou a ensinar que o filho do homem deve morrer (Mc 8,31)
Ensinava seus discípulos (9,31)
Foi para o território da judéia, além do jordão e como de costume ensinava as multidões (Mc 10,1-10). Os discípulos começaram a ficar assustados com seu ensinamento.
Ensinava e dizia “minha casa será casa de oração para todos os povos)
O escriba doutor reconheceu que Jesus ensinava a verdade do caminho de Deus verdade (Mc 12,14)
Jesus tinha consciência e confirmou com sua missão: “É necessário que primeiro o evangelho seja pregado a todas as nações” Mc 13,10). Ensinar (didaskein) anunciar (kerusein) falava (elalen-Mc 2,2), e proclamação está unidos

III- Considerações sobre as características da missão em Marcos:
-A missão consiste em anunciar que o reino de Deus está próximo, que é preciso fé e conversão. Fé e conversão tem resultados. Cria o mundo de paz, e novas relações (Jesus estava entre as feras e os anjos o serviam. , Os discípulos que crerem, se pegarem em serpentes ou beberem o veneno, nada lhes fará mal (Mc 16)
-Fé e conversão tem resultado concreto: pela fé esclarecida o seguimento é fiel até o fim, pela conversão acontece mudança no relacionamento. Cria-se comunidade sem disputa de poder, e comunidade de serviço. Quem quiser ser o maior seja como aquele que serve.
-a missão requer formação de comunidades, Jesus começou formando um grupo de discípulos.
-A missão é esclarecer o que é ser discípulo, quais as exigências do seguimento. Missão é curar a cegueira que impede de ver a cruz, e reconhecer que Jesus é o enviado do Pai que deve passar pela cruz.
- As obras da missão é que dão autoridade ao missionário, a mística, fidelidade a palavra.
-A missão também é trabalho mais personalizado e não apenas com as multidões. Mc mostra que Jesus ensinava os discípulos em particular, na casa, a parte, longe da multidão esclarecia as dificuldades e fazia as correções (cf.Mc 7,17; 8,17-18; 6,52; 8,27-28; 9,11-12; 9,35-36; 9,33; 10,32-33; 11,21; 9,28; 12,43; 10,10)
-A missão de envangelizar é prioritária desde a introdução de Mc 1,1-15. O vocabulário em torno da missão: anunciar, ensinar, ecoar a voz. A dupla missão de João e Jesus, no início confirmam isso, bem como a inclusão do termo evangelho em Mc 1,1-2 e 1,15.
-A missão tem a finalidade de mostrar que Jesus é o filho de Deus. O filho de Deus é o Messias oculto, o servo, Jesus de Nazaré. Segundo Bultmann Mc quis unir o credo helenista do Filho de Deus com o Jesus histórico. Entende-se que o objetivo de Mc na primeira parte é responder a pergunta: quem é Jesus, e na segunda parte que tipo de filho de Deus ele é, que tipo de messias.
-A missão tem sucessos, no início tudo dá certo, mas depois tem crises e desencontros, fracassos (ver parábola do semeador: os que veem e não enchergam, ouvem e não escutam) Mc 4,
-a missão exige abertura e conversão pastoral: É o que vemos no exemplo de Jesus que mudou seus paradigmas ao curar a filha endemoninhada da Siro-fenícia. Reconheceu que há uma pressão de fora, há um apelo constante. Por isso na multiplicação dos pães do outro lado do mar, para os pagãos saciou fartamente a todos. Um contraste com as migalhas só por acaso são aproveitadas quando caem da mesa dos donos, como pensavam alguns que privilegiavam o povo eleito, “a mesa dos filhos”
-Jesus contou com um grupo de discípulos mais próximos, aos quais dedicava atenção especial na formação. Contou com discípulas que forma as principais missionárias e testemunhas da ressurreição aos próprios discípulos.
-A missão se expande também com o testemunho e a atuação dos discípulos e discípulas anônimos:
-Sogra de Pedro que se colocou a serviço (Mc 1,30-31). O leproso curado que saiu a proclamar a boa notícia (1,44-45) O que era endemoninhado foi proclamar na decápole (Mc 5,20). A viúva pobre que deu mais que todos (Mc 12,42-44) A mulher de Betânia que derramou o frasco de óleo (Mc 14,4.9), o cégo de Jericó, que deixa o manto e segue Jesus (Mc 10,49). Enfim uma grande multidão que vinha da Galiléia o seguia (Mc 3,7). Eram muitos publicanos e pecadores que o seguiam (Mc 2,15)
-No meio das muitas atividades é preciso saber parar como Jesus tentou fazer: refugiava-se em Lugares desertos e orava (Mc 1,34-36), tentava descançar (Mc 6,30-32)
-A missão requer também compaixão (splangnizomai), como Jesus teve com a multidão faminta no deserto.
-A missão requer ruptura, dos panos velhos, dos odres velhos, renovação a luz dos sinais dos tempos.
-Nossa missão é um recomeçar sempre de novo o seguimento de Jesus na galileia onde ele se revela. Ide contar a Pedro e a outros discípulos que ele caminha a vossa frente na Galileia.
-Portanto a missão em Mc no início atinge as multidões, famintos, possessos, pobres, doentes, cegos, mas depois inicia um trabalho mais personalizado ensinando os discípulos a patê.
-Não usar populismo fácil, mas discrição quando isso requer.
-A missão é caminhada para Jerusalém, onde aparecem também a cruz na curva, mas também missão inclui experiência alegre do anúncio da ressurreição.
-A missão é chamamento e mandado que pede resposta generosa como fez o cego de Jericó que largou o manto e foi pulando atrás de Jesus.
-a missão de Jesus é integral, libertadora, pois ele cura e liberta para o serviço.
-A morte de Jesus na cruz estabelece um elo com o problema da missão. Marcos considera a cruz o ponto decisivo e paradoxal na história da salvação (Mc 15,39). A morte de Jesus é morte “por muitos” (Mc 10,45; 14,24) e o centurião gentio é sinal desses “muitos”, que reconhecerão a morte e a ressurreição de Jesus como o ato de salvação de Deus para o mundo. Na narrativa da paixão segundo Marcos, nenhum discípulo testemunha a morte de Jesus, mas somente o centurião romano e as mulheres (15,39-40). Estas com efeito serão apontadas como discípulas porque “subiram da Galiléia para Jerusalém”(Mc 15,40-41) e são as primeiras a proclamar a mensagem da ressurreição (Mc 16,7). Mas o fracasso tornasse apelo para novo recomeço “Depois que eu ressurgir, eu vos precederei na Galiléia” (Mc 14,28) O fracasso final torna-se apelo para novo recomeço na mensagem: “ide dizer a seus discípulos e a Pedro que ele vos precede na Galiléia, lá o vereis como vos tinha dito” (Mc 16,7). No entanto a profecia da reconciliação está no mesmo nível da predição do fracasso”(C.Stuhlmueller, e S.Donald. Os fundamentos bíblicos da missão.Paulinas,1987,p.312).

IV - Hermenêutica: Desafios da missão na realidade de hoje inspirando-nos na prática de Jesus.
-Jesus formou os discípulos e ajudou a abrir-lhes os olhos para entenderem o que significa seguir, perseverar com fé, mesmo com o peso das cruzes de cada dia. Como formar mais discípulos para seguir Jesus, e viver as exigências do reino no mundo de hoje?
-O Evangelho de Marcos, mostrou que Jesus ensinava fazendo ações que lhe davam autoridade perante o povo. Assim os projetos de missão ad intra e ad extra, precisam se impor com autoridade que vem da mística missionária, da dedicação e planejamento em vista de resultados mais animadores.
- Especialmente em Mt, a missão é fazer discípulos todas as nações. Porém em Mc também a expansão da missão acontece até mediante o testemunho de discípulos e discípulas anônimos que se colocaram a serviço.
-O conteúdo da pregação: é o Reino de Deus, sua proximidade, a conversão, a fé. Há sinais de um aumento na fé da comunidade, aumento de convertidos e engajados em atividades missionárias?
-A prática de Jesus em Mc veio ao encontro dos impuros, marginalizados, cegos, leprosos, pecadores, doentes, gente sem rumo, como ovelhas sem pastor. A pastoral da Igreja, quer ser integral investe na promoção humana junto com o evangelho anunciado?
-Se os discípulos foram chamados para seguir e estar na companhia de Jesus, como os discípulos e discípulas de hoje alimentam sua fé para perseverar na obra? Temos em mente que “É preciso que o evangelho seja proclamado a todas as nações”(Mc 13,10)?
- O Evangelho mostrou a experiência do relacionamento entre os discípulos e discípulas com o mestre, ás vezes foi até dura, pois eles demoravam a entender (Mc 7,17), mas mesmo assim Jesus esteve sempre com eles, e até dedicou-se a ensiná-los e questioná-los em particular. A missão e evangelização mais particularizada, individual ou de casa em casa, pode ser meio mais eficaz de atingir os objetivos.
-É no encontro com o ressuscitado, na experiência de comunidade, e vida no Espírito, que a Igreja vai encontrar forças para recomeçar nas “Galiléias” o seguimento de Jesus pois Ele caminha na nossa frente e nos desafia na missão: “Ide por todo mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).

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