A
MISSÃO EM MARCOS
Dr.
Frei Vicente Artuso – Professor de Teologia da PUCPR
I-Sumário
da missão de Jesus:
Em
Mt e Mc o ministério publico de Jesus começa com a proclamação: “O tempo se
cumpriu e o reino de Deus está próximo, arrependei-vos e crede no
evangelho”. Mc
1,14-15; Mt 4,17
1-o
tempo se cumpriu (peplerotai) – é o momento, kairós de anunciar, é urgente,
Em
Mc euthus, imediatamente Jesus foi anunciar, curar, anunciar, pregar,
2-
O reino de Deus está próximo: basileia tou Theou: O reino é o amor do Pai, que
salva a humanidade na pessoa, na palavra e na ação de
Jesus.
3-Arrependei-vos,
metanoeite – mudança, de mentalidade, dos valores que contam, da linha de
pensamento, das estruturas de pecado. Trata-se de incutir uma nova mentalidade
evangélica,
4-
crede no evangelho: A fé vem junto com a conversão:
(Vendo
a fé dos que carregavam o paralítico…(Mc 2), não tenha medo mas creia…disse ao
chefe da sinagoga no milagre da cura de Talita (Mc 5,36) Tudo é possível ao que
cré (Mc 9,23). Em verdade vos digo se disser a este monte…se crer, isso
acontecerá (Mc 11,23)
Tudo
que pedires, crede, que tenhas recebido e isso acontecerá
(11,24)
Quem
crer e for batizado será salvo, e sinais acompanham os que crerem (Mc
16,16-17)
-A
missão é urgente, o tempo é agora,
-o
reino está próximo, está presente e deve acontecer
-a
exigência do reino para que aconteça é preciso fé e
conversão
II-Conceito
de missão e vocabulário em torno da missão
No
AT - Schaliah-enviar – quem recebe missão é enviado e tem ligação com aquele que
envia – fidelidade a pessoa, a tarefa confiada, a palavra a ser
transmitida.
No
NT- apostelo, eu envio. (12 v. em Mc, em Lc.27 v. mt 23)
Mc
1,2- eis que envio (apostelo) o meu mensageiro (angelon mou)- há grande
fidelidade de J.Batista na missão: O mesmo que João prega, Jesus prega. Em Mt, o
mesmo conteúdo da pregação de João Batista é o conteúdo da pregação de Jesus:
“arrependei-vos porque o reino dos céus está próximo” (Mt 3,2 e
4,17)
Mc
3,13-14: Subiu a montanha, chamou a si, constituiu doze, para que ficassem com
ele, a fim de enviá-los (apostelei) a anunciar (kerusein) e ter
autoridade (exousian de expulsar demônios)
Mc 6,6b-7: Ele percorria os povoados circunvizinhos, ensinando
(edidaskein) (6,6) chamou (ekalesen) a si os doze, e começou a enviá-los
(apostelein) dois a dois.
A
missão aparece em 6,12-13: Partindo eles, pregavam (kerusein) que todos se
arrependessem, e expulsavam muitos demônios ungindo-os com
óleo.
Mc
8,26- o cego de betsaida curado Mc, relata que “Jesus enviou-o (apostelein) para
casa dizendo “não entres no povoado”
Mc.
9,17- aquele que me recebe, não recebe a mim mas aquele que me enviou –ton
aposteilanta me, (identidade entre o que envia e o
enviado)
Mc
12,2-13- na parábola dos vinhateiros homicidas é onde aparece 6
vezes o verbo apesteilen (enviou) (insistência no envio)
Outro
termo importante em Marcos: é ensinar (didaskein) 17 vezes:
A
característica do ensino, não é a palavra pronunciada mas a prática, basta ver
os milagres, Jesus ensina fazendo (Mc 1,28ss, 2,1-4; 1,40-45) Era um ensino com
autoridade, éra um ensino constante até no templo: “cada dia estava com vocês no
templo ensinando (didaskon) e não me prendeste” (Mc
14,49)
Ensinava
na sinagoga aos sábados (Mc 1,21-28)
Ensinava
com autoridade e não como os escribas (Mc 1,22)
Todo
povo veio a ele e ensinava a beira mar.(Mc 2,13)
De
novo começou a ensinar junto ao mar (Mc 4,1) em parábolas
(4,2)
Percorria
as aldeias ensinando (Mc 6,2)
Vendo
a multidão, sentiu compaixão, e começou a ensinar (Mc
6,30)
Começou
a ensinar que o filho do homem deve morrer (Mc 8,31)
Ensinava
seus discípulos (9,31)
Foi
para o território da judéia, além do jordão e como de costume ensinava as
multidões (Mc 10,1-10). Os discípulos começaram a ficar assustados com seu
ensinamento.
Ensinava
e dizia “minha casa será casa de oração para todos os
povos)
O
escriba doutor reconheceu que Jesus ensinava a verdade do caminho de Deus
verdade (Mc 12,14)
Jesus
tinha consciência e confirmou com sua missão: “É necessário que primeiro o
evangelho seja pregado a todas as nações” Mc 13,10). Ensinar (didaskein)
anunciar (kerusein) falava (elalen-Mc 2,2), e proclamação está
unidos
III-
Considerações sobre as características da missão em
Marcos:
-A
missão consiste em anunciar que o reino de Deus está próximo, que é preciso fé e
conversão. Fé e conversão tem resultados. Cria o mundo de paz, e novas relações
(Jesus estava entre as feras e os anjos o serviam. , Os discípulos que crerem,
se pegarem em serpentes ou beberem o veneno, nada lhes fará mal (Mc
16)
-Fé
e conversão tem resultado concreto: pela fé esclarecida o seguimento é fiel até
o fim, pela conversão acontece mudança no relacionamento. Cria-se comunidade sem
disputa de poder, e comunidade de serviço. Quem quiser ser o maior seja como
aquele que serve.
-a
missão requer formação de comunidades, Jesus começou formando um grupo de
discípulos.
-A
missão é esclarecer o que é ser discípulo, quais as exigências do seguimento.
Missão é curar a cegueira que impede de ver a cruz, e reconhecer que Jesus é o
enviado do Pai que deve passar pela cruz.
-
As obras da missão é que dão autoridade ao missionário, a mística, fidelidade a
palavra.
-A
missão também é trabalho mais personalizado e não apenas com as multidões. Mc
mostra que Jesus ensinava os discípulos em particular, na casa, a parte, longe
da multidão esclarecia as dificuldades e fazia as correções (cf.Mc 7,17;
8,17-18; 6,52; 8,27-28; 9,11-12; 9,35-36; 9,33; 10,32-33; 11,21; 9,28; 12,43;
10,10)
-A
missão de envangelizar é prioritária desde a introdução de Mc 1,1-15. O
vocabulário em torno da missão: anunciar, ensinar, ecoar a voz. A dupla missão
de João e Jesus, no início confirmam isso, bem como a inclusão do termo
evangelho em Mc 1,1-2 e 1,15.
-A
missão tem a finalidade de mostrar que Jesus é o filho de Deus. O
filho de Deus é o Messias oculto, o servo, Jesus de Nazaré. Segundo Bultmann Mc
quis unir o credo helenista do Filho de Deus com o Jesus histórico. Entende-se
que o objetivo de Mc na primeira parte é responder a pergunta: quem é Jesus, e
na segunda parte que tipo de filho de Deus ele é, que tipo de
messias.
-A
missão tem sucessos, no início tudo dá certo, mas depois tem crises e
desencontros, fracassos (ver parábola do semeador: os que veem e não enchergam,
ouvem e não escutam) Mc 4,
-a
missão exige abertura e conversão pastoral: É o que vemos no exemplo de Jesus
que mudou seus paradigmas ao curar a filha endemoninhada da Siro-fenícia.
Reconheceu que há uma pressão de fora, há um apelo constante. Por isso na
multiplicação dos pães do outro lado do mar, para os pagãos saciou fartamente a
todos. Um contraste com as migalhas só por acaso são aproveitadas quando caem da
mesa dos donos, como pensavam alguns que privilegiavam o povo eleito, “a mesa
dos filhos”
-Jesus
contou com um grupo de discípulos mais próximos, aos quais dedicava atenção
especial na formação. Contou com discípulas que forma as principais missionárias
e testemunhas da ressurreição aos próprios discípulos.
-A
missão se expande também com o testemunho e a atuação dos discípulos e
discípulas anônimos:
-Sogra
de Pedro que se colocou a serviço (Mc 1,30-31). O leproso curado que saiu a
proclamar a boa notícia (1,44-45) O que era endemoninhado foi proclamar na
decápole (Mc 5,20). A viúva pobre que deu mais que todos (Mc 12,42-44) A mulher
de Betânia que derramou o frasco de óleo (Mc 14,4.9), o cégo de Jericó, que
deixa o manto e segue Jesus (Mc 10,49). Enfim uma grande multidão que vinha da
Galiléia o seguia (Mc 3,7). Eram muitos publicanos e pecadores que o seguiam (Mc
2,15)
-No
meio das muitas atividades é preciso saber parar como Jesus tentou fazer:
refugiava-se em Lugares desertos e orava (Mc 1,34-36), tentava descançar (Mc
6,30-32)
-A
missão requer também compaixão (splangnizomai), como Jesus teve com a multidão
faminta no deserto.
-A
missão requer ruptura, dos panos velhos, dos odres velhos, renovação a luz dos
sinais dos tempos.
-Nossa
missão é um recomeçar sempre de novo o seguimento de Jesus na galileia onde ele
se revela. Ide contar a Pedro e a outros discípulos que ele caminha a vossa
frente na Galileia.
-Portanto
a missão em Mc no início atinge as multidões, famintos, possessos, pobres,
doentes, cegos, mas depois inicia um trabalho mais personalizado ensinando os
discípulos a patê.
-Não
usar populismo fácil, mas discrição quando isso requer.
-A
missão é caminhada para Jerusalém, onde aparecem também a cruz na curva, mas
também missão inclui experiência alegre do anúncio da
ressurreição.
-A
missão é chamamento e mandado que pede resposta generosa como fez o cego de
Jericó que largou o manto e foi pulando atrás de Jesus.
-a
missão de Jesus é integral, libertadora, pois ele cura e liberta para o
serviço.
-A
morte de Jesus na cruz estabelece um elo com o problema da missão. Marcos
considera a cruz o ponto decisivo e paradoxal na história da salvação (Mc
15,39). A morte de Jesus é morte “por muitos” (Mc 10,45; 14,24) e o centurião
gentio é sinal desses “muitos”, que reconhecerão a morte e a ressurreição de
Jesus como o ato de salvação de Deus para o mundo. Na narrativa da paixão
segundo Marcos, nenhum discípulo testemunha a morte de Jesus, mas somente o
centurião romano e as mulheres (15,39-40). Estas com efeito serão apontadas como
discípulas porque “subiram da Galiléia para Jerusalém”(Mc 15,40-41) e são as
primeiras a proclamar a mensagem da ressurreição (Mc 16,7). Mas o fracasso
tornasse apelo para novo recomeço “Depois que eu ressurgir, eu vos precederei na
Galiléia” (Mc 14,28) O fracasso final torna-se apelo para novo recomeço na
mensagem: “ide dizer a seus discípulos e a Pedro que ele vos precede na
Galiléia, lá o vereis como vos tinha dito” (Mc 16,7). No entanto a profecia da
reconciliação está no mesmo nível da predição do fracasso”(C.Stuhlmueller, e
S.Donald. Os fundamentos bíblicos da
missão.Paulinas,1987,p.312).
IV
- Hermenêutica: Desafios da missão na realidade de hoje inspirando-nos na
prática de Jesus.
-Jesus
formou os discípulos e ajudou a abrir-lhes os olhos para entenderem
o que significa seguir, perseverar com fé, mesmo com o peso das cruzes de
cada dia. Como formar mais discípulos para seguir Jesus, e viver as exigências
do reino no mundo de hoje?
-O
Evangelho de Marcos, mostrou que Jesus ensinava fazendo ações que lhe davam
autoridade perante o povo. Assim os projetos de missão ad intra e ad extra,
precisam se impor com autoridade que vem da mística missionária, da dedicação e
planejamento em vista de resultados mais animadores.
-
Especialmente em Mt, a missão é fazer discípulos todas as nações. Porém em Mc
também a expansão da missão acontece até mediante o testemunho de discípulos e
discípulas anônimos que se colocaram a serviço.
-O
conteúdo da pregação: é o Reino de Deus, sua proximidade, a conversão, a fé. Há
sinais de um aumento na fé da comunidade, aumento de convertidos e engajados em
atividades missionárias?
-A
prática de Jesus em Mc veio ao encontro dos impuros, marginalizados, cegos,
leprosos, pecadores, doentes, gente sem rumo, como ovelhas sem pastor. A
pastoral da Igreja, quer ser integral investe na promoção humana junto com o
evangelho anunciado?
-Se
os discípulos foram chamados para seguir e estar na companhia de Jesus, como os
discípulos e discípulas de hoje alimentam sua fé para perseverar na obra? Temos
em mente que “É preciso que o evangelho seja proclamado a todas as nações”(Mc
13,10)?
-
O Evangelho mostrou a experiência do relacionamento entre os discípulos e
discípulas com o mestre, ás vezes foi até dura, pois eles demoravam a entender
(Mc 7,17), mas mesmo assim Jesus esteve sempre com eles, e até dedicou-se a
ensiná-los e questioná-los em particular. A missão e evangelização mais
particularizada, individual ou de casa em casa, pode ser meio mais eficaz de
atingir os objetivos.
-É
no encontro com o ressuscitado, na experiência de comunidade, e vida no
Espírito, que a Igreja vai encontrar forças para recomeçar nas “Galiléias” o
seguimento de Jesus pois Ele caminha na nossa frente e nos desafia na missão:
“Ide por todo mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).
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