Família casa onde as pessoas tem a mesma chave ??
O
conceito de família, independente de suas variações, é basicamente o mesmo desde
os primórdios da humanidade.
Hoje,
apesar de no passado já terem sido registrados casos semelhantes ao longo da
história da humanidade, a família pode tanto ser constituída por pais e filhos,
como por um conjunto de amigos, onde cada membro assume uma função social
perante os demais.
O que
conhecemos como família hoje tem pouca similaridade com as expressões culturais
da época bíblica. Há, no decorrer da história da humanidade várias compreensões
diferentes de família. E com isso, é difícil estabelecer uma definição
universal e normativa de família.
Logicamente,
a família se distingue de outros grupos sociais devido a sua função ou
atribuições: determinação de um lugar comum de residência, satisfação de
necessidades sexuais e afetivas, estabelecimento da unidade primária de
cooperação econômica, procriação, socialização de novas gerações. Essas atribuições descrevem a tribo, o clã ou
a família extensa. A família nuclear que é a mais conhecida por todos (papai,
mamãe e filhos) é uma adaptação posterior de todas as formas de grupos sociais.
Hoje,
no século XXI há novas definições para família. Família é encontrada nos grupos
de rua, que se unem para juntos suportarem a dor que a vida lhes impõe, está na
igreja e tantos outros lugares.
Há uma
música que diz, de certa maneira, o que é família nos dias de hoje:
Família
é quem você escolhe pra viver
Família
é quem você escolhe pra você
Não
precisa ter conta sanguínea
É
preciso ter sempre um pouco mais de sintonia. (O Rappa)
Ou
seja, "Família é todo conjunto de pessoas unidas por interações sociais
com certo grau de coesão entre seus membros, com graus de parentesco
artificiais ou concretos, declarados ou ocultos, com ou sem ligação
genética".
Com
isso, podemos dizer que o conceito de família muda com o passar do tempo, com a
história. Afinal, inúmeras são as influências do ambiente social para a
formação da personalidade humana. Inegavelmente, a família é a mais importante
de todas. É ela que proporciona as recompensas e punições, por cujo intermédio
são adquiridas as principais respostas para os primeiros obstáculos da vida. É
instituto no qual a pessoa humana encontra amparo irrestrito, fonte da sua
própria felicidade. Os membros integrantes da família (pais, irmãos, avós, etc.)
moldam o ser humano, contribuindo para a formação do futuro adulto. Não foi por
acaso que um dos maiores nomes da literatura brasileira, Machado de Assis, já
afirmara que “o menino é pai do homem”.
E biblicamente?
Creio
que a melhor definição da concepção bíblica da família é a casa, pois a família
nasce do sentido intenso de solidariedade que liga entre si e os membros do
povo. O termo que expressa melhor a realidade da família como um todo único,
solidário, na perspectiva do indivíduo, é o termo BAITH ou casa.
Casa
se refere à família quer como casado/vivendo junto que se desdobra na história
quer como grupo humano que partilha o mesmo quadro religioso e social. A
família, a casa, é o lugar onde a fé é acolhida, surge também à necessidade de
que ela, na sua totalidade, testemunhe o evangelho.
No
Novo Testamento temos a casa novamente, o OIKOS. E é no contexto da família, da
casa que as virtudes abstratas de amor, perdão, alegria, paz, bondade, domínio
próprio, se fazem presente. É na casa que a hospitalidade torna-se virtude, o
relacionamento cristão é exemplo ou ensino, para os não cristãos. E é nessa
casa, nessa família, pelo ensino, que a paz e os valores se fazem presente.
Pois na bíblia, paz é SHALOM. Na verdade, no hebraico, essa palavra toma
dimensões maiores do que a nossa tradução para o português. Na verdade, SHALOM,
no sentido mais lato da palavra, abrange o bem-estar (Juízes 19.20); a saúde
física (Isaías 57.18; Salmo 38.3); a prosperidade (Salmo 73.3); o contentamento
ao adormecer (Salmo 4.8); na partida (Gênesis 26.29) e no momento da morte
(Gênesis 15.15, etc.); boas relações entre as nações e os homens (1Reis 5.26);
Juízes 4.17; 1Crônicas 12.17-18); salvação (Isaías 43.7; Jeremias 29.11; cf.
Jeremias 14.13).
Pode-se,
portanto, dizer que a casa, o lar, a família, é o centro de ensino vital da fé
e dos valores do Reino de Deus. É à família que é imposta a tarefa de fazer do
ser humano mais humano e deste mundo, o kosmos, do Senhor.
FAMILIA E IGREJA: espaço de e para
a educação e o resgate valores[1]
Família,
nos dia de hoje, é uma configuração relativa, porque esta se transforma no
decorrer da história. Até meados dos anos 90 do século passado tínhamos a
família nuclear, a qual não existe mais hoje. Somos testemunhas de uma continua
transformação da família e essas mudanças não são, em si mesmas, nem boas nem
más. Há famílias extensas, nucleares, com ou sem nenhum progenitor, família sem
filhos, famílias com filhos oriundos do companheiro apenas...
Com
isso, o que é família para nós cristãos? Quem faz parte da família? Como ela
nos dias de hoje pode ser espaço de ensino e propagação de valores do Reino de
Deus?
Como
resposta, leiamos o Evangelho de Marcos 3:31-35.
Família
é todo aquele que fizer a vontade de Deus! E dela fazem parte todo àquele que
fizer a vontade de Deus. E a família é espaço de ensino e paz quando propaga os
valores do Reino de Deus. São os valores do Reino de Deus: amor, fé, justiça.
Liberdade, ajuda, carinho, presença, diálogo, risos!
Sabe-se
que a família tem seus conflitos e nem sempre é fácil ser família. Há momentos
em que somos família de fato e outros em que somos qualquer coisa, menos
família. Do ponto de vista jurídico, a família é um núcleo de convivência,
unido por laços afetivos, que costuma partilhar o mesmo domicilio. A
convivência em família pode ser feliz ou insuportável, pode ser amor e ódio, o
domicilio pode ser espaço de hospitalidade, amor, afetividade, diálogo ou
simplesmente mera pensão onde me alojo, durmo ou tomo banho.
Família
é como uma semente. Assim, precisa ser cuidada, pois ainda não é fruto. Como
semente, está por fazer, por amadurecer e frutificar. E de todo modo envolve o
fato de se assumir as limitações e reconhecer que nem sempre faremos todo o bem
que gostaríamos, pois há momentos difíceis, de dor, circunstâncias tremendas,
até trágicas. A vida envolve tudo isso! Mas as dificuldades com pão são as
menores, diz o provérbio, e o penoso da vida torna-se menos penoso quando o
vivemos a partir de relações fortes.
Porque
a família não consiste apenas nos laços de sangue, vai além! Não é algo que
possamos comprar: “Dê-me 500 gramas de família”. E isso é um problema em nossos
dias porque estamos acostumados a comprar tudo. Basta lembrar o que se faz com
os filhos: enche-os de coisas que se pode comprar e priva-os de relações
pessoais intensas e os pais, com isso, ficam satisfeitos.
Somos família
à medida que há relações, somos mais família, quanto mais fortes são essas
relações, e há dias em que simplesmente, não somos família.
Sei
que vivemos em tempos em que sinceramente, a realidade de família muitas vezes
é a descrita por Millôr Fernandes “Família um grupo de pessoas que tem as
chaves da mesma casa.” E sinceramente,
de coração, o meu desejo é que seria tão
bom se o coração fosse o lugar mais família que pudesse existir. E não uma
teoria ou uma falsa vivencia de família, um agrupamento... Somos o reflexo do
lugar que moramos...
Pois somos
família na medida em que na casa encontramos alguém e na qual nos sentimos mal
quando ocorrer de ficarmos sozinhos. Ou seja, não é uma casa-hotel, pensão. Em
casa deve-se estar e deve-se estar bem. Não é lugar para descarregar nossas
raivas do dia de trabalho (história do gatinho que todo mundo pisava no rabo
dele). A casa é lugar para brincar, para falar, entreter-se de mil maneiras,
orar e divertir-se. Dar tempo é dar vida! Família não é lugar para cada um
ficar na sua TV e no seu quadrado! Família é unidade, é respeito ao gosto do
outro. É entender que há tempo para tudo, inclusive para ver ou não TV. Família é lugar para amar, é lugar de erotismo,
tesão, conversa, diálogos.
Casa e
família são lugares para se falar. Falar significa que a família está viva e
tem vida, e fortalece essa vida. É lugar de dizermos muitas coisas sem falar,
sem palavras (um gesto, um sorriso, uma lágrima, um detalhe, um abraço apertado).
Numa casa em que se fala e se dizem as coisas, existe a sensibilidade, a
capacidade de escutar, para perceber as mensagens e dar respostas. Família é
lugar de aprofundar o diálogo. É falar sem gritar, sem aborrecer, sem dar
atenção em demasia a assuntos banais. Família também é lugar de duas pessoas se amarem, fazerem amor.
A casa e a família são pontos de referencia e
de felicidade. É o ninho, o aconchego. Cada um sabe o que torna o outro feliz. Sem
rabuchices constantes (afinal um dia ou outro tudo bem, mas sempre?), resmungos.
Há
valores além dos do Reino de Deus, que são importantes para a família e igreja,
nesse processo educacional de valores. São valores básicos.
1º a família em si mesma. Nossa cultura é
uma cultura da família. É um valor que se tem como pressuposto, ao ponto de se
dizer que “a família não é o próximo, é a própria pessoa”.
2º família como âmbito de aprendizagem do
amor. As relações no interior da família são relações de amor, de transformação,
mudança, crescimento. A família é como o útero no qual se é amado por si mesmo,
tal como se é, em que se desenvolve a personalidade humana. A família se
constitui uma escola de socialização a partir do amor, um espaço de gratuidade,
no qual se vislumbra a paz e em caso de necessidade, a família mobiliza-se em
uníssono para ajudar.
3º
obediência e respeito. Essencial em qualquer âmbito da vida social do
ser humano, é parte do amor.
4º transmissão do sentido transcendente da
vida. Lugar das primeiras experiências religiosas ou de fé, de aprendizagem da
oração, de encontro com Deus, de instrução de fé. A oração em família foi
tradicional entre nós de muitas formas e não é porque a sociedade muda
constantemente que ela deve ser ignorada. A vivência da fé na e com a
comunidade de fé, é essência. Todo
momento é momento de vivenciar a fé, pois através da adoração nasce a esperança
da libertação, o povo encontra a sua identidade, descobre sua história, faz o
presente e o futuro. A transmissão do sentido transcendente da vida se dá em família,
com a família de Cristo, a leitura da Bíblia, participação na vida da igreja,
orações, afinal, na história do povo cristão, a oração era parte natural da
vida diária.
5º
Escola de conhecimentos. Não só de conhecimentos, mas de tolerância,
liberdade, solidariedade, sacrifício, fidelidade, transformação, mudança, saber
dizer sim e não, recomeçar, terminar. A partir da família, o ser humano
situa-se na história, nela surgindo às diferentes vocações de seus membros.
6º
Acolhimento. Lugar de
acolhimento, hospitalidade, fraternidade. De compartilhar com os outros, de
modo especial com os mais necessitados, de ajuda mútua. De compromisso com a
sociedade em que se insere, por seu bem comum, e também na Igreja. Aprendizagem
da responsabilidade e da convivência, onde se descobre que um individuo não é
um absoluto.
7º
Valores transcendentes[2] (Para
se referir a relação de Deus com o mundo e com cada Crist@. As características,
designadas transcendentais, são a unidade, verdade, bondade, amor. A transcendência, segundo Boff, se dá nos
pequenos e grandes momentos, pois para
ele, somos seres de enraizamento e seres de abertura. Primeiramente nos
sentimos seres enraizados. Temos raiz, como uma árvore. E a raiz nos limita,
porque nascemos numa determinada família, numa língua especifica, com um
capital limitado de inteligência, de afetividade, de amorosidade. Mas somos
simultaneamente seres de abertura. Ninguém segura os pensamentos, ninguém
amarra as emoções. Elas podem nos levar longe no universo. Podem estar na
pessoa amada, podem estar no coração de Deus. Rompemos tudo, ninguém nos
aprisiona. Mesmo que os escravos sejam mantidos nos calabouços e obrigados a
cantar hinos à liberdade, são livres, porque sempre nasceram livres, e sua
essência está na liberdade. Então, possuímos essa dimensão de abertura, de
romper barreiras, de superar interditos, de ir para além de todos os limites. É
isso que chamamos de transcendência. TRANSCEDENCIA ESTÁ MUITO ALÉM DA RELIGIÃO.
O SER HUMANO rompe, vai para além daquilo que é dado.) Na sociedade cristã, na
vida cristã, predominaram os valores transcendentes: a verdade, honestidade,
respeito a todo ser humano, liberdade, solidariedade, fé, tolerância,
humildade, simplicidade, alegria, fecundidade, paz, verdade. Afinal, nosso Deus
é sensível e atento aos sofrimentos dos oprimidos; que Deus está efetivamente
comprometido com a libertação dos oprimidos; e, que Deus promete aos oprimidos
uma vida feliz, numa terra nova.
Vivemos
numa sociedade de mudanças constantes, em tempos incertos, mas, independente do
tipo de familia (só com pai, só com mãe, ou com os dois pais, duas mães,
formada no modelo nuclear, pais diferentes, novos casamentos...), os valores do
Reino de Deus continuam vigentes e transformam a sociedade, pois se assim não o
fosse, não estaríamos aqui e não seriamos cristãs e cristãos.
Que
como família, independente de como ela seja formada, possamos olhar para o
Reino de Deus e seus valores, e acimentar/alicerçar nossas casas nesses
valores, para que o shalom, a paz que vem de Cristo inunde nossas vidas e casas
e sejamos testemunhas do Reino de Deus. Pessoas que realmente caminham em busca
da paz e que, pelo ensino, educando, resgatam os valores do Reino em casa: “O
fruto da justiça será a paz. De fato, o trabalho da justiça resultará em tranquilidade e segurança permanentes.” (Isaías 32:17) E não apenas um lugar onde as pessoas tem a chave do mesmo lugar.
Deus
nos abençoe.
Odete
Liber
[1]
Quando me refiro a valores da familia, me reporto sempre aos valores do Reino
de Deus, que são, por conseguinte, os valores da familia e de todo cristão. O
Reino de Deus gera transformação de valores espirituais, morais e
principalmente ético-humanos. Para Gutiérrez “o Reino é graça, mas é também
exigência. É dom gratuito de Deus e é apelo de conformidade ao seu desígnio de
vida. Isto é o que se pede do discípulo, sua vida transcorre entre a gratuidade
e a exigência.” E mudança é conversão, que significa mudança de comportamento,
um enfoque diferente da vida, o início do seguimento de Jesus.
[2] Ademais, temos a dimensão sã e também a
dimensão patológica. Porque não somos só homo sapiens sapiens. Somos hoje,
fundamentalmente, homo demens, duplamente demens, coisa esquecida na modernidade
iluminista. Hoje somos dementes, em grau supremo. É a nossa situação. É o nosso
arranjo existencial. Eis nosso enraizamento, nossa imanência. Mas somos
simultaneamente seres de abertura. Ninguém segura os pensamentos, ninguém
amarra as emoções. Elas podem nos levar longe no universo. Podem estar na
pessoa amada, podem estar no coração de Deus. Rompemos tudo, ninguém nos
aprisiona. Mesmo que os escravos sejam mantidos nos calabouços e obrigados a
cantar hinos à liberdade, são livres, porque sempre nasceram livres, e sua
essência está na liberdade. Então, possuímos essa dimensão de abertura, de
romper barreiras, de superar interditos, de ir para além de todos os limites. É
isso que chamamos de transcendência. TRANSCENDÊNCIA ESTÁ MUITO ALÉM DA RELIGIÃO.
O SER HUMANO rompe, vai para além daquilo que é dado.