A DÚVIDA É PARTE DA FÉ
A dúvida é algo que nos acompanha. Quem nunca teve dúvidas, quem nunca não acreditou em algo que ouviu? Todo@s nós já dúvidas, mas não deixamos de ter fé. Tod@s nós já fomos Tomé! Pra iniciar nossa reflexão, quando tiverem um tempo, leiam o capitulo 13 deste mesmo evangelho, onde h´´a o relato que Jesus tem uma
longa conversa com os discípulos e os chama de amigos. Nessa conversa Jesus
fala como será a vida deles após sua partida.
E agora, após a sua morte, nosso texto relata que os discípulos estão
com medo. Medo dos judeus que podem persegui-los. Por isso estão ali fechadas,
trancados. As portas fechadas e trancadas. Portas fechadas e trancadas que revelam,
por um lado, o medo dos discípulos de também enfrentarem o mesmo fim que o
Mestre e, por outro lado, apontam para o fato de que o ressurreto não pertence
e não mais está limitado à realidade do mundo. Aqui falta Tomé, por algum
motivo ele não estava com os outros. É interessante esse fato de portas fechadas
e trancadas, pq muitas vezes nós tbm nos fechamos com nossos medos.
É incrível o que o medo provoca em nossa vida. Medo
são as vozes de críticas ruins, que ficam te dizendo que você não consegue, que
você não é tão bom quanto aquela outra pessoa, você não é tão bonit@ como
gostaria, que vc não é capaz, etc. Ou então o medo se ser assaltado, de não
passar no vestibular, de não conseguir emprego, o medo, o medo de não ser nada.
Ou então, como disse Mandela em seu discurso de posse como presidente na África:
“Nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes. Nosso maior medo é que
sejamos poderosos além da medida”.
Quando perdemos pessoas queridas, amigos, quando
nos mudamos, quando nos sentimos sós no mundo, quando fatos ruins acontecem,
nos sentimos desamparados. Muitas vezes ficamos desamparad@s, fechad@s,
trancad@s com nossos medos, dores e temores...
E então… em meio ao medo, insegurança, desamparo e
até morte, o inesperado, o impensável, acontece: “Veio Jesus, pôs-se no meio”
(v. 19).
Em pé, na postura que desde então se tornou simbólica do ressuscitado, braços
estendidos, mãos espalmadas, Jesus lhes oferece a paz, e sem que ninguém lhe
peça, mostra-lhes as marcas em suas mãos e a ferida no peito (v. 20). É
surpreendente que, de acordo com a narrativa, o que teria chamado a atenção dos
discípulos, não foram as cicatrizes. Os discípulos, e
certamente João entre eles, tiveram mais prazer em ver o seu amigo e Senhor
vivo do que em contemplar as feias chagas da cruz.
Em meio à situação de medo, insegurança e até de
morte, Jesus vem para anunciar paz: paz como abertura e confiança no futuro.
É nesse contexto de medo e alegria do encontro com
o mestre amigo, que os discípulos são enviados para a missão e soprou sobre
eles e disse “Recebei o Espirito Santo” (V.22). Quem irá guia-los agora é o
Consolador, o ES. E ele repete: “A paz esteja com vocês”. Esta dupla repetição
acentua a importância da paz. Construir a paz faz parte da missão. Paz
significa muito mais do que só a ausência de guerra. Significa construir uma
convivência humana harmoniosa, em que as pessoas possam ser elas mesmas, tendo
todas o necessário para viver, convivendo felizes e em paz. Esta foi a missão
de Jesus, discípulos e é também a nossa missão. No v. 23 temos a ênfase no
perdão e o texto deixa claro que uma comunidade sem perdão, sem reconciliação
já não é comunidade cristã.
Aqui temos, de um lado, medo e desamparo e, de
outro, o conforto, a missão e o Espirito Santo Consolador.
O texto, então, continua: oito dias se passaram e, novamente,
as portas estavam fechadas e trancadas, quando ocorre um novo encontro… Desta
vez Tomé, que não estava com os discípulos no encontro anterior, se acha entre
eles. Os outros discípulos haviam contado que estiveram com Jesus, mas ele não
crê no testemunho dos outros.
Gostaria de lembrar que o testemunho do evangelho
pode citar e cita testemunhas. Não é nenhum diz-que-diz-que. Por isso lemos e
relemos os textos bíblicos para lembrar, ter esperança, fé, conforto, crer no
amanhã e sermos pessoas melhores que do que fomos ontem. Quando Martin Luther
King recebeu o Prêmio Nobel da Paz como reconhecimento pela sua liderança no
movimento por justiça social e racial nos EUA, um repórter perguntou à sua mãe:
“o que a senhora fez para que seu filho se tornasse um líder?”. Ela apenas
disse: “Eu lhe dei raízes e asas”. Dito de outra forma, sua mãe o ajudou a
valorizar a memória (raízes) e a confiar no futuro (esperança). Nós precisamos
de raízes e esperança porque estamos e somos do mundo.
Hannah Arendt vai um pouco além ao afirmar: “somos
do mundo e não simplesmente estamos com o mundo”. Ou como Heidegger, no livro
“Ser e o Tempo”, onde ele afirma que “o mundo no qual estou é um mundo que
partilho com os outros, pois o ‘ser-no-mundo’ é um ‘ser-no-mundo-com’... é um
mundo comum”. Estas afirmações ressaltam que habitamos uma casa comum. Estar
simplesmente ‘no mundo’ implica numa presença passiva e, desta forma, a vida é
levada ao sabor do vento. É como a personagem de Alice na clássica estória
“Alice no País das Maravilhas” que, ao se perceber perdida no meio da floresta,
pergunta a um gato qual caminho deveria seguir. O gato questiona para onde ela
quer ir e Alice responde: “tanto faz, não importa muito para onde”. Quando
percebe a indecisão de Alice, o gato responde: “Então, não importa qual o
caminho a seguir, qualquer um serve”. Precisamos saber e confiar em quem
cremos, por que isso significa saber qual o caminho a seguir.
O texto continua. E Jesus repete sua visita e, ao
que parece, só pra satisfazer o capricho de Tomé, que antes havia, com
bravatas, afirmado: “Se eu não vir em suas mãos o sinal dos cravos, e ali não
puser o dedo, e não puser a mão no seu lado, de modo algum acreditarei” (v. 25).
E nos versos 26 a 29, novamente recebem a missão de paz: "A paz esteja com
vocês!" O que chama a atenção é a bondade de Jesus. Ele não critica nem
xinga a incredulidade de Tomé, mas aceita o desafio e diz: “Tomé, venha cá
colocar seu dedo nas feridas”. Jesus respeita a dúvida de Tomé, que é a de quem
quer compreender para crer. Quem de nós já não foi Tomé em algum momento da
vida de fé? Quantas vezes já não fomos incrédulos? Ou então quem de nós poderá
dizer que alguém assim como Tomé tem uma fé débil ou frágil? Ou não tem fé?
O poeta inglês Alfred Tennyson certa vez escreveu: “Há
mais fé em uma dúvida honesta, creiam-me, do que em metade dos credos.” Ou
ainda, o Rev. William Barclay: “Há mais fé verdadeira em quem insiste em
certificar-se, do que naquele que repete tolamente coisas sobre as quais jamais
pensou e nas quais sequer crê.”
Tomé tinha essa virtude: “Negava-se completamente a
dizer que cria quando isso não era verdade. Jamais diria que entendia o que
cria quando não entendia, [ou] quando não cria. […] Jamais apaziguaria as
dúvidas simulando que elas não existem. Jamais repetiria um credo, como se
fosse um papagaio, sem entender o que dizia. Tinha que estar certo, e de que
tinha razão”. Há muitas pessoas que como Tomé, precisam ver para crer. Assim
como Tomé, é preciso tocar com as próprias mãos em Suas feridas, para realmente
chegar a um testemunho ativo da fé no Ressuscitado. Esta é a dificuldade de
muita gente: Nenhum saber religioso tradicional faz com que uma pessoa se
ajoelhe com profundo temor a Deus, a não ser que este saber seja acompanhado
pela própria experiência. Talvez por isso muitas pessoas precisam ter
experiências com o sagrado para poderem
dizer “eu creio”.
E é da boca de Tomé que sai a mais bela fórmula ou
afirmação de fé de todo o Novo Testamento: “Senhor meu e Deus Meu!” É a
primeira grande síntese teológica das duas naturezas de Cristo: a humana
(Senhor meu), e a divina (e Deus meu). É aqui que podemos dizer que Tomé se
converteu, sentou-se tocado, transformado. E nós, hoje, podemos nos considerar
bem-aventurad@s e felizes porque não vimos, contudo, cremos, mas, pela graça de
Deus, temos pra nós o testemunho de alguém que teve a coragem e a dignidade de
apresentar suas dúvidas honestas diante de Jesus para que, com ele, pudéssemos
também nós, com confiança, sem a necessidade de milagres, afirmar diante do
ressuscitado: “Senhor meu, e Deus Meu!” Pois acreditamos na
Ressurreição, afinal, como diz o poema “Ressurreição”, Pois acreditar na
ressurreição é Deixar-se guiar por uma perspectiva encoberta aos nossos olhos;
Pôr-se
a caminho tal qual Abraão, apenas baseado na palavra de Deus;
Caminhar
em direção ao Mar Vermelho, como os israelitas, mesmo não vendo as águas se
abrirem para lhes dar passagem;
Louvar
a Deus pela libertação, mesmo que se tenha ainda o deserto pela frente;
Entrar
no deserto, mesmo sem ter as fotos da terra prometida para mostrar como prova;
Aceitar
as palavras de Maria Madalena, Joana, Maria e das outras mulheres que foram ao
sepulcro na manhã de Páscoa, sem as desqualificar como boato (Lucas 24.9-12);
Acreditar
na mensagem do anjo: Ele não está aqui, ressuscitou! (Lucas 24.6), sem querer
pôr o dedo nas feridas de Jesus. Crer na ressurreição é. Saber das estruturas
de morte do nosso tempo derrotadas, apesar de senti-las ainda com vida e vigor;
Confiar que, repartindo e doando a vida, a exemplo de Cristo, ganhar-se-á a
vida plena.
Vemos, portanto, que Jesus se faz presente na
comunidade. As portas fechadas não podem impedir que ele esteja no meio dos que
nele acreditam. Até hoje é assim! Quando estamos reunidos, mesmo com todas as
portas fechadas, Jesus está no meio de nós. E, até hoje, a primeira palavra de
Jesus é e será sempre: "A paz esteja com vocês!" Ele mostrou os
sinais da paixão nas mãos e no lado. O ressuscitado é crucificado! O Jesus que
está conosco na comunidade não é um Jesus glorioso que não tem mais nada em
comum com a vida da gente. Mas é o mesmo Jesus que viveu na terra, e traz as
marcas da sua paixão. As marcas da paixão estão hoje no sofrimento do povo, na
fome, nas marcas de tortura, de injustiça. É nas pessoas que reagem, lutam pela
vida e não se deixam abater que Jesus ressuscita e se faz presente no meio de
nós.
Que Deus nos abençoe!
Odete Liber