terça-feira, 19 de abril de 2016

A DÚVIDA É PARTE DA FÉ



A DÚVIDA É PARTE DA FÉ
A dúvida é algo que nos acompanha. Quem nunca teve dúvidas, quem nunca não acreditou em algo que ouviu?  Todo@s nós já dúvidas, mas não deixamos de ter fé. Tod@s nós já fomos Tomé! Pra iniciar nossa reflexão, quando tiverem um tempo, leiam o capitulo 13 deste mesmo evangelho, onde h´´a o relato que Jesus tem uma longa conversa com os discípulos e os chama de amigos. Nessa conversa Jesus fala como será a vida deles após sua partida.  E agora, após a sua morte, nosso texto relata que os discípulos estão com medo. Medo dos judeus que podem persegui-los. Por isso estão ali fechadas, trancados. As portas fechadas e trancadas. Portas fechadas e trancadas que revelam, por um lado, o medo dos discípulos de também enfrentarem o mesmo fim que o Mestre e, por outro lado, apontam para o fato de que o ressurreto não pertence e não mais está limitado à realidade do mundo. Aqui falta Tomé, por algum motivo ele não estava com os outros. É interessante esse fato de portas fechadas e trancadas, pq muitas vezes nós tbm nos fechamos com nossos medos.
É incrível o que o medo provoca em nossa vida. Medo são as vozes de críticas ruins, que ficam te dizendo que você não consegue, que você não é tão bom quanto aquela outra pessoa, você não é tão bonit@ como gostaria, que vc não é capaz, etc. Ou então o medo se ser assaltado, de não passar no vestibular, de não conseguir emprego, o medo, o medo de não ser nada. Ou então, como disse Mandela em seu discurso de posse como presidente na África: “Nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes. Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida”.
Quando perdemos pessoas queridas, amigos, quando nos mudamos, quando nos sentimos sós no mundo, quando fatos ruins acontecem, nos sentimos desamparados. Muitas vezes ficamos desamparad@s, fechad@s, trancad@s com nossos medos, dores e temores...
E então… em meio ao medo, insegurança, desamparo e até morte, o inesperado, o impensável, acontece: “Veio Jesus, pôs-se no meio” (v. 19). Em pé, na postura que desde então se tornou simbólica do ressuscitado, braços estendidos, mãos espalmadas, Jesus lhes oferece a paz, e sem que ninguém lhe peça, mostra-lhes as marcas em suas mãos e a ferida no peito (v. 20). É surpreendente que, de acordo com a narrativa, o que teria chamado a atenção dos discípulos, não foram as cicatrizes. Os discípulos, e certamente João entre eles, tiveram mais prazer em ver o seu amigo e Senhor vivo do que em contemplar as feias chagas da cruz.
Em meio à situação de medo, insegurança e até de morte, Jesus vem para anunciar paz: paz como abertura e confiança no futuro.
 É nesse contexto de medo e alegria do encontro com o mestre amigo, que os discípulos são enviados para a missão e soprou sobre eles e disse “Recebei o Espirito Santo” (V.22). Quem irá guia-los agora é o Consolador, o ES. E ele repete: “A paz esteja com vocês”. Esta dupla repetição acentua a importância da paz. Construir a paz faz parte da missão. Paz significa muito mais do que só a ausência de guerra. Significa construir uma convivência humana harmoniosa, em que as pessoas possam ser elas mesmas, tendo todas o necessário para viver, convivendo felizes e em paz. Esta foi a missão de Jesus, discípulos e é também a nossa missão. No v. 23 temos a ênfase no perdão e o texto deixa claro que uma comunidade sem perdão, sem reconciliação já não é comunidade cristã.
Aqui temos, de um lado, medo e desamparo e, de outro, o conforto, a missão e o Espirito Santo Consolador.
O texto, então, continua: oito dias se passaram e, novamente, as portas estavam fechadas e trancadas, quando ocorre um novo encontro… Desta vez Tomé, que não estava com os discípulos no encontro anterior, se acha entre eles. Os outros discípulos haviam contado que estiveram com Jesus, mas ele não crê no testemunho dos outros.
Gostaria de lembrar que o testemunho do evangelho pode citar e cita testemunhas. Não é nenhum diz-que-diz-que. Por isso lemos e relemos os textos bíblicos para lembrar, ter esperança, fé, conforto, crer no amanhã e sermos pessoas melhores que do que fomos ontem. Quando Martin Luther King recebeu o Prêmio Nobel da Paz como reconhecimento pela sua liderança no movimento por justiça social e racial nos EUA, um repórter perguntou à sua mãe: “o que a senhora fez para que seu filho se tornasse um líder?”. Ela apenas disse: “Eu lhe dei raízes e asas”. Dito de outra forma, sua mãe o ajudou a valorizar a memória (raízes) e a confiar no futuro (esperança). Nós precisamos de raízes e esperança porque estamos e somos do mundo.
Hannah Arendt vai um pouco além ao afirmar: “somos do mundo e não simplesmente estamos com o mundo”. Ou como Heidegger, no livro “Ser e o Tempo”, onde ele afirma que “o mundo no qual estou é um mundo que partilho com os outros, pois o ‘ser-no-mundo’ é um ‘ser-no-mundo-com’... é um mundo comum”. Estas afirmações ressaltam que habitamos uma casa comum. Estar simplesmente ‘no mundo’ implica numa presença passiva e, desta forma, a vida é levada ao sabor do vento. É como a personagem de Alice na clássica estória “Alice no País das Maravilhas” que, ao se perceber perdida no meio da floresta, pergunta a um gato qual caminho deveria seguir. O gato questiona para onde ela quer ir e Alice responde: “tanto faz, não importa muito para onde”. Quando percebe a indecisão de Alice, o gato responde: “Então, não importa qual o caminho a seguir, qualquer um serve”. Precisamos saber e confiar em quem cremos, por que isso significa saber qual o caminho a seguir.
O texto continua. E Jesus repete sua visita e, ao que parece, só pra satisfazer o capricho de Tomé, que antes havia, com bravatas, afirmado: “Se eu não vir em suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no seu lado, de modo algum acreditarei” (v. 25). E nos versos 26 a 29, novamente recebem a missão de paz: "A paz esteja com vocês!" O que chama a atenção é a bondade de Jesus. Ele não critica nem xinga a incredulidade de Tomé, mas aceita o desafio e diz: “Tomé, venha cá colocar seu dedo nas feridas”. Jesus respeita a dúvida de Tomé, que é a de quem quer compreender para crer. Quem de nós já não foi Tomé em algum momento da vida de fé? Quantas vezes já não fomos incrédulos? Ou então quem de nós poderá dizer que alguém assim como Tomé tem uma fé débil ou frágil?  Ou não tem fé?
O poeta inglês Alfred Tennyson certa vez escreveu: “Há mais fé em uma dúvida honesta, creiam-me, do que em metade dos credos.” Ou ainda, o Rev. William Barclay: “Há mais fé verdadeira em quem insiste em certificar-se, do que naquele que repete tolamente coisas sobre as quais jamais pensou e nas quais sequer crê.”
Tomé tinha essa virtude: “Negava-se completamente a dizer que cria quando isso não era verdade. Jamais diria que entendia o que cria quando não entendia, [ou] quando não cria. […] Jamais apaziguaria as dúvidas simulando que elas não existem. Jamais repetiria um credo, como se fosse um papagaio, sem entender o que dizia. Tinha que estar certo, e de que tinha razão”. Há muitas pessoas que como Tomé, precisam ver para crer. Assim como Tomé, é preciso tocar com as próprias mãos em Suas feridas, para realmente chegar a um testemunho ativo da fé no Ressuscitado. Esta é a dificuldade de muita gente: Nenhum saber religioso tradicional faz com que uma pessoa se ajoelhe com profundo temor a Deus, a não ser que este saber seja acompanhado pela própria experiência. Talvez por isso muitas pessoas precisam ter experiências com o sagrado  para poderem dizer “eu creio”.
E é da boca de Tomé que sai a mais bela fórmula ou afirmação de fé de todo o Novo Testamento: “Senhor meu e Deus Meu!” É a primeira grande síntese teológica das duas naturezas de Cristo: a humana (Senhor meu), e a divina (e Deus meu). É aqui que podemos dizer que Tomé se converteu, sentou-se tocado, transformado. E nós, hoje, podemos nos considerar bem-aventurad@s e felizes porque não vimos, contudo, cremos, mas, pela graça de Deus, temos pra nós o testemunho de alguém que teve a coragem e a dignidade de apresentar suas dúvidas honestas diante de Jesus para que, com ele, pudéssemos também nós, com confiança, sem a necessidade de milagres, afirmar diante do ressuscitado: “Senhor meu, e Deus Meu!” Pois acreditamos na Ressurreição, afinal, como diz o poema “Ressurreição”, Pois acreditar na ressurreição é Deixar-se guiar por uma perspectiva encoberta aos nossos olhos;
Pôr-se a caminho tal qual Abraão, apenas baseado na palavra de Deus;
Caminhar em direção ao Mar Vermelho, como os israelitas, mesmo não vendo as águas se abrirem para lhes dar passagem;
Louvar a Deus pela libertação, mesmo que se tenha ainda o deserto pela frente;
Entrar no deserto, mesmo sem ter as fotos da terra prometida para mostrar como prova;
Aceitar as palavras de Maria Madalena, Joana, Maria e das outras mulheres que foram ao sepulcro na manhã de Páscoa, sem as desqualificar como boato (Lucas 24.9-12);
Acreditar na mensagem do anjo: Ele não está aqui, ressuscitou! (Lucas 24.6), sem querer pôr o dedo nas feridas de Jesus. Crer na ressurreição é. Saber das estruturas de morte do nosso tempo derrotadas, apesar de senti-las ainda com vida e vigor; Confiar que, repartindo e doando a vida, a exemplo de Cristo, ganhar-se-á a vida plena.
Vemos, portanto, que Jesus se faz presente na comunidade. As portas fechadas não podem impedir que ele esteja no meio dos que nele acreditam. Até hoje é assim! Quando estamos reunidos, mesmo com todas as portas fechadas, Jesus está no meio de nós. E, até hoje, a primeira palavra de Jesus é e será sempre: "A paz esteja com vocês!" Ele mostrou os sinais da paixão nas mãos e no lado. O ressuscitado é crucificado! O Jesus que está conosco na comunidade não é um Jesus glorioso que não tem mais nada em comum com a vida da gente. Mas é o mesmo Jesus que viveu na terra, e traz as marcas da sua paixão. As marcas da paixão estão hoje no sofrimento do povo, na fome, nas marcas de tortura, de injustiça. É nas pessoas que reagem, lutam pela vida e não se deixam abater que Jesus ressuscita e se faz presente no meio de nós.
Que Deus nos abençoe! 
Odete Liber 

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