quarta-feira, 20 de março de 2013

Deus não está mais aqui...


Deus não está mais aqui...

Do jeito que vão as coisas, em breve veremos placas honestas nas portas das igrejas: “Deus partiu sem previsão para voltar”. E começo a pensar em Nietsche, quando escreveu “Zaratustra”. O cenário da igreja é lúgubre, ambiente de corvos em árvores secas e vermes emergindo da terra, seguindo o costume da Europa Nórdica de construir cemitérios junto às igrejas. Como se estas tivessem as respostas finais sobre angústia da vida e da morte. As roupas litúrgicas negras vestem ministros seguidores da reta doutrina enquanto enterram fieis com orações solenes, liturgias e réquiens infindáveis para poderosos aristocratas. Crítica ácida do filósofo aos representantes das igrejas cristãs, e à religião dominante.
 
Nietsche pronuncia: “Deus (na igreja) está morto!”, (Gott ist tot). Deus permanece morto. E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós, os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu de mais sagrado e poderoso até agora sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? Refiro-me ao enterro de Deus nos cemitérios das igrejas cristãs que perderam a força transformadora do mundo e se acomodaram em suas doutrinas petrificadas. Nem Lutero escapou de sua crítica. 

O protestantismo histórico vem aceitando passivamente a insignificância do papel estatístico e funcional que lhe cabe para mostrar o que se compreende como “Igreja de Deus”. Os valores que circulam sobre o Deus ético da fé bíblica são fluidos e dispersivos. 
 
A tradição mais antiga da igreja cristã remonta a Abraão. A assembleia do povo ainda nômade já buscava o lugar de Deus no mundo (ba-makon). O acesso a Deus começa com um reconhecimento, por mais assombroso e incompreensível que pareça, de que Deus não está nem no passado, nem no presente e nem no futuro. A tenda do encontro, no entanto, é o mundo (Ex 33,21): “Eis que há um lugar em mim” (hine makon iti). Isto é, a tenda é o lugar genérico. “Deus está no mundo, embora não seja do mundo” (Nilton Bonder). Voltemos ao Gênesis (28,10). Jacó foge de seu irmão. Deslocando-se de Bersheba para Haran, cansado, no fim da tarde, ao por do sol, deita-se para repousar e é capturado pela importância do lugar (va-ifga ba-makon). Esse é o lugar (ba makon há-há). 
 
Pois bem, o sonho da igreja de Deus começa aqui. Jacó sonha e vê uma escada onde sobem e descem anjos. Ele acorda empolgado: “Certamente há Deus neste lugar e eu não o penetrava” (André Chouraqui, diz que o uso do verbo yaddah também tem o sentido de “saber”, além do comum “penetrar”). Um ambiente extraordinário, sabores e sensações fantásticas, memórias da natureza que não podem ser sentidas pela percepção bruta, emocional ou carismática. 
 
Quando se percebe que para produzir algo relevante para a coletividade precisamos obter autorização de quem não produz nada, que o dinheiro da igreja deve fluir em diaconias e isso não acontece, que atos de compaixão e misericórdia nos tornam apóstatas de uma fé abstrata ou extremamente materialista, que muitos ficam ricos pelo suborno e influência das consciências de fieis, que se abandona a evangelização e discipulado bíblico em favor de espetáculos divertidos para o povo hipnotizado pela ganância, que as leis do país protegem igrejas materialistas já protegidas pelo corporativismo religioso (quando é que teremos uma CPI para evangélicos corruptos?), que o roubo no altar é aprovado e recompensado com o voto político e que a honestidade se converte em sacrifício da ética, então podemos afirmar, sem temor de errar, que esta igreja está condenada a ser abandonada permanente por Deus. Sem data para voltar.
 
Pensando como G. Brakemaier, “quando os interesses eclesiásticos começam a misturar-se com a mesquinhez e o egoísmo narcisista da coletividade, para legitimar privilégios religiosos a um determinado grupo, quando se transmuda a igreja em curral midiático, temos, de novo, o reino das trevas impondo-se ao Reino de Deus”. Exatamente como Lutero e os reformadores protestantes denunciaram.  Isso implica no que falta às comunidades cristãs, que é o aprendizado da fé no evangelho pregado por Jesus. Amor, tradução de compaixão, de ternura para com o sofredor; de misericórdia, na identificação e vivência com o oprimido e suas lutas, de solidariedade na busca e exigência de justiça para todos. E Jesus diz para essa igreja autêntica: “Estou convosco!”.
 
Ultimamente, a igreja gananciosa, soft, divertida, carismática, pretende ocupar o lugar da igreja que se retirou de onde deveria estar (cf. o sonho de Jacó, acima). É símbolo da desordem na linguagem e também do desinteresse quanto à Bíblia e seus conteúdos (Comunhão: Preferências evangélicas, set.2012), símbolo do desespero da própria igreja dos nossos dias, que quer visibilidade imagética enquanto se entrega a projetos egoístas e individualistas, símbolo de privilegiados que desejam subir sozinhos a “escada de Jacó” deixando para trás o povo que procura Deus para curar suas feridas. Enquanto se afastam da vida vivida, se veem enredados em escândalos infindáveis de corrupção e não enxergam nada de trágico em tudo que expressa a igreja dos nossos dias. Mas o pior ainda está por vir...


 POVO FESTIVO, CANTANTE, DANÇANTE RECEBE JESUS?

DOMINGO DE RAMOS E DA PAIXÃO 
Lucas 19,28-40 – “Bendito o que vem em nome do Senhor!”
Salmo 118,1-2; 19-29 – “Entrarei pelas portas da justiça, esta é a porta do Senhor”
domingo-de-ramos1A chegada de Jesus a Jerusalém comove a multidão (Lucas 19,28-40).  O povo reage de maneiras diferente das autoridades. Este o aclama como Rei, aquelas ficam apreensivas. O povo tem esperança de libertação, se religiosa, política, econômica. A pobreza e as opressões são muitas. As autoridades sentem-se ameaçadas no seu prestígio e autoridade, e, sem dúvida, no exercício do “poder” (ah, o pudê, como exclamam os poderosos nordestinos brasileiros extasiados com o domínio sobre as massas camponesas…). E o povo alegre, festivo, cantante, dançando, recebe o Messias de Deus, como acreditava… Mas logo virá a tristeza: nesta mesma semana Jesus de Nazaré será preso, torturado, humilhado em sua realeza divina, e esvaziado de qualquer proteção! E então, enfraquecido, vulnerável, será levado ao martírio, sem que esse mesmo povo se comova. Ao contrário, na mesma semana da paixão responderá ao plebiscito: “Crucifica-o, crucifica-o…”. 
Os cristãos estarão, neste domingo de Ramos, caminhando ao lado de Jesus? As implicações dessa caminhada envolvem o compromisso de levar a sério nossa adesão à causa de Jesus Cristo. Acompanhar Jesus em sua última jornada no caminho da cruz, enquanto Ele entra na cidade de Jerusalém, aclamado como o rei que traz o shalom de Deus. Ninguém mais duvida de que as causas geradoras dos grandes e dos menores conflitos sociais, nacionais e internacionais, são encontradas nas desigualdades econômicas, na falta de oportunidade, nas políticas internacionais e domésticas envolvidas em questões que passam pela fome de 2 bilhões de habitantes do planeta; questões que identificam os abismos das desigualdades nos 5 bilhões à margem do mundo moderno, também chamado pós-industrial, no Ocidente.
Todos os dias, observamos as notícias mais recentes sobre o crime comum e o organizado. São dezenas de milhares de mortes violentas por ano, no Brasil. Pessoas são mortas até nas portas das igrejas (A Gazeta, 14.03.2013). O amanhã é pré-definido, só teremos que confirmar o estado de guerra permanente nos pequenos e grandes centros urbanos. Enquanto se espera por dignidade da pessoa humana, nos setores mais corriqueiros da vida, necessita-se de pão para quem tem fome; morada para quem não têm teto; educação para quem não têm escola; saúde para quem não têm hospitais; trabalho para os alijados da sociedade moderna.
Outros entram nas farmácias procurando calmantes, medicamentos contra a tensão cotidiana, drogas que serão consumidas em pilhas de caixas. De outro lado o imenso contingente de pobres e carentes. Os famintos, alvos do nojo da cidade, os que comem lixo e sobras, pivetes, crackeiros, viciados, moradores de rua. Na periferia e favelas um contingente monumental. Mas o Reino de Deus não é imposto pelo poder das armas, nem é acompanhado de decisões político-partidárias. A linguagem do Reino é a solidariedade.
Seguidores de Jesus são servos (doulos) do amor, servem à justiça (tsedakah ou dikaios), no rumo da paz, em total fé na fidelidade de Deus (emunahou pistis). Deus é amor, disse João. O evangelista hebreu nos lembra para amar-nos uns aos outros com o amor sem medida de Jesus. Não há amor maior que este, o cuidado com os fracos, empobrecidos, marginalizados dos meios de produção e esquecidos nas políticas públicas. A palavrashalom ((shalom ou eirene:  direitos cidadãos atendidos, bem-estar social para todos, dignidade, espírito confortado pela justiça em todas as esferas de vida pública ou particular das pessoas) nas Escrituras, nos chama a atenção.
Este é o eixo do pronunciamento de Jesus, neste domingo. Há misericórdia, em suas palavras? Sim, porque podemos entender o Reino de Deus, quando o vemos separado das imagens construídas sobre grandezas que não se pode dizer, porque não há palavras ou línguas sagradas que possam defini-lo. Especialmente quanto ao alcance da justiça, no Evangelho.
Na Bíblia, denuncia-se a falta de clareza sobre tais realidades, onde os escritores apresentam o Reino de muitas maneiras, conforme suas crenças momentâneas, ou quando espiritualizam o que de fato é uma manifestação concreta, ora nos poemas de fé, ora na boca de contadores de histórias ancestrais, ora pelos profetas, ora pelos sacerdotes, ora pelos guerreiros sanguinários que não hesitaram em exterminar velhos, mulheres indefesas, crianças, para tomar terras e riquezas de outros povos…
São modos e crenças para descrever a ação Deus, conforme os impulsos da violência, de dominação e imposição pela força. Porém, todas as vezes que lidamos com a beleza ética, a solidariedade, a misericórdia, o amor e a bondade, estamos lidando com o nome sagrado de Deus, enquanto seu reinado vem chegando, realizando paulatinamente a utopia de Jesus. Na Bíblia, os evangelhos são mais claros, quando Jesus descreve o reinado de Deus como a realidade acima de todas as realidades.
Os sentidos da Paz, segundo Jesus, tratam de uma nova visão da vida em plena justiça: “Entrarei pelas portas da justiça, esta é a porta do Senhor” (Salmo 118,1-2; 19-29). Um mundo novo estará amanhecendo. Gandhi, Bonhoeffer, Niemöler, Paul Schneidder, Desmond Tuto, Nelson Mandela, Luther King Jr., Charles Roy Harper, Jaime Wright, Paulo Stuart Wright, Paulo Evaristo Arns, monsenhor Romero, Irmã Dorothy, mártires e testemunhas da Paz e da Fé, entenderam esse sentido. Perdão e reconciliação entre povos e nações; libertação do poder de todos os pecados, inclusive os pecados estruturais do nosso tempo. Reconciliação com os que não têm as mesmas tradições religiosas; nova vida no serviço da justiça de Deus; direito de herdar e gozar bem-estar coletivo, no trabalho, habitação, saúde, escolaridade, sem desigualdade no tratamento; direito a um mundo transformado pela misericórdia e a compaixão; direito de integrar uma nova realidade proposta sob  o empenho apaixonado na causa de Deus. Hosanas! Bendito aquele que vem em nome do Senhor. Shalom.
Derval Dasilio

quarta-feira, 6 de março de 2013

Coldplay - Paradise (Cover songs interpreted by The Piano Guys)

Isaías 6.1-8 A brasa do altar

Isaías 6.1-8 A brasa do altar



Nunca tinha me ocorrido antes. Já preguei sobre este texto um sem-número de vezes. Nunca me ocorreu, em tempo algum antes, o que Deus me falou nestes dias. Coloquei-me no lugar de Isaías, visualizando aquele serafim, vindo com a brasa viva, vermelha, fumegante, em minha direção. Ele vai colocar esse troço quente na minha boca! Se já dói horrores quando bebo um café quente ou tomo a sopa sem soprar antes, quanto mais doerá a brasa viva! Ela está inflamada de tanto calor. Será uma queimadura de último grau!
Vivemos a pedir a Deus que nos mande Seu fogo. Mas o fogo não fica apenas tremulando no altar. Ele queima e consome. Ele precisa ser realimentado por carvão e madeira. Ele tem de ser mantido vivo. E, por isso, ele está sempre consumindo tudo o que toca. A brasa viva, tirada do altar com uma tenaz, está por tocar a boca do profeta e isso tem um propósito: queimar o pecado que ele mesmo assumira, minutos antes.
Receber o fogo significa ser purificado. E isso dói. Tem de haver o toque quente do fogo para que o pecado seja tirado. Ele está por demais entranhado na boca. Não vai sair com uma lavadinha, como aquelas que a mamãe ameaçava dar, com sabão de coco, quando a gente, criança, falava uma palavra feia. Este tipo de sujeira precisa de outro nível de purificação.
Isaías, sabedor disso, pode ter sido tentado, como eu seria, a colocar a mão na boca e evitar o toque da brasa. Mas a visão da santidade de Deus é tamanha que não lhe permite fugir a seu pecado ou ao toque. Ele aceita a dor de ser queimado para que o pecado seja extirpado. Ele aceita queimar, pois só assim poderá encher-se do Espírito. Isaías teve sua boca tocada pelo fogo; João Wesley sentiu aquecer o coração; Elias teve seu sacrifício consumido pelo fogo do céu. E todos eles tiveram um ministério em chamas para Deus. Quer ver o fogo no altar? Deixe-se queimar!

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Senhor, apenas depois de ser tocada pelo fogo desta brasa, será possível ouvir-Te dizer: A quem enviarei? E quem há de ir por nós? Se assim é, dá-me coragem para enfrentar o Teu fogo purificador, a fim de que minha vida sirva como instrumento Teu para resgatar a mim mesma e a outras vidas do fogo eterno. Em nome de Jesus, amém! Hideide Brito

Lord of The Rings - The Hobbit (Piano/Cello Cover) - ThePianoGuys

Christina Perri - A Thousand Years (Piano/Cello Cover) - ThePianoGuys

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Cansaço de alma


Cansaço de alma

"Minha dor e a causa dela. A ninguém ouso falar." (Camões)

Existem dores que não são do corpo, não se curam com remédios, não desvanecem com terapias. São dores de alma. A alma, quando dói, só quem sente é que sabe. Não há lágrimas que sejam suficientes. A sensação de dor é tátil, mesmo quando o corpo não traz marcas, nem cortes. Já senti umas dores de alma... algumas até me parecem mesmo que são eternas. Paulo resolveu seu dilema de dor de alma, dando a ele um propósito: para não engrandecer-se diante das revelações recebidas. Era para isso que servia seu "espinho na carne", sua dor insuperável.

Também tenho tentado achar um propósito para as minhas: aprender a compadecer-me. Já fui muito arrogante e dona de uns pensamentos que não devia ter - pensamentos que me levaram a julgar indevidamente situações e pessoas. Até a sentir-me inalcansável por certas coisas que pareciam só acontecer a outros. Até que alcançam, já que todos somos humanos e, no fim, nossas dores são as mesmas, você sabe...

Por isso, ao invés de endurecer-se ou amargurar-se, é preciso buscar o caminho de transformar qualquer problema em bênção. Aprendi isso com um pastor conselheiro, homem de dores, que sabia o que era sofrer, mas nunca se entregou. A força dele me acompanha em todas as minhas dores de alma - que, afinal, graças a Deus, não foram tantas... agora que vejo com olhos mais humanos quanta alma doendo existe por aí. E o fato de doerem não é porque sejam almas doentes; algumas, inclusive, sãs não fossem jamais poderiam suportar a insanidade de sua dor.

O salmista, vendo que a dor parecia vencer sua alma, fez-lhe um lembrete: "Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas? Espera em Deus..." Tenho me feito este lembrete ao longo da minha vida, quando minha alma se agita... tento me lembrar dos conselhos bíblicos (se te afliges no dia da angústia, tua força é pequena). Tenho pensado que coragem é admitir o medo e, mesmo assim, seguir adiante. Que perdoar, aceitar, amar e conviver com os seres humanos é uma tarefa árdua, mas se Ele, que era Deus, aceitou isso como uma oportunidade, devo fazer o mesmo... Afinal de contas, há muitos que pensam ser difícil conviver comigo, outro humano desses seres...

E quando a alma dói um pouco mais, penso na dele, que sabe o que é sofrer... e me diz: "Eu te aliviarei."
 

Evite ser instrumento de divulgação de erros alheios


Destaque do livro "Desmemórias" do Prof. Elias Boaventura (1937-2012):

“Mister Moore, dirigiu-se a mim amorosamente, pedindo que eu observasse algumas coisas para o meu futuro (eu era candidato a pastor).
Suas palavras foram: “Em sua vida, nunca tenha pressa em punir pessoas que, por estarem sofrendo, pecam, mas não são más.
Evite ser instrumento de divulgação de erros alheios e use fatos para desenvolver sua solidariedade. Pergunte sempre se com seus atos não contribuiu involuntariamente para que tais fatos acontecessem.
É muito difícil, mas necessário e inteligente, que tentemos compreender as razões do outro. Implore sempre a Deus que perdoe o errado e o ajude a vencer suas falhas.” (pág. 75)

Não sei

Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.
 Cora Coralina