quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Cansaço de alma


Cansaço de alma

"Minha dor e a causa dela. A ninguém ouso falar." (Camões)

Existem dores que não são do corpo, não se curam com remédios, não desvanecem com terapias. São dores de alma. A alma, quando dói, só quem sente é que sabe. Não há lágrimas que sejam suficientes. A sensação de dor é tátil, mesmo quando o corpo não traz marcas, nem cortes. Já senti umas dores de alma... algumas até me parecem mesmo que são eternas. Paulo resolveu seu dilema de dor de alma, dando a ele um propósito: para não engrandecer-se diante das revelações recebidas. Era para isso que servia seu "espinho na carne", sua dor insuperável.

Também tenho tentado achar um propósito para as minhas: aprender a compadecer-me. Já fui muito arrogante e dona de uns pensamentos que não devia ter - pensamentos que me levaram a julgar indevidamente situações e pessoas. Até a sentir-me inalcansável por certas coisas que pareciam só acontecer a outros. Até que alcançam, já que todos somos humanos e, no fim, nossas dores são as mesmas, você sabe...

Por isso, ao invés de endurecer-se ou amargurar-se, é preciso buscar o caminho de transformar qualquer problema em bênção. Aprendi isso com um pastor conselheiro, homem de dores, que sabia o que era sofrer, mas nunca se entregou. A força dele me acompanha em todas as minhas dores de alma - que, afinal, graças a Deus, não foram tantas... agora que vejo com olhos mais humanos quanta alma doendo existe por aí. E o fato de doerem não é porque sejam almas doentes; algumas, inclusive, sãs não fossem jamais poderiam suportar a insanidade de sua dor.

O salmista, vendo que a dor parecia vencer sua alma, fez-lhe um lembrete: "Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas? Espera em Deus..." Tenho me feito este lembrete ao longo da minha vida, quando minha alma se agita... tento me lembrar dos conselhos bíblicos (se te afliges no dia da angústia, tua força é pequena). Tenho pensado que coragem é admitir o medo e, mesmo assim, seguir adiante. Que perdoar, aceitar, amar e conviver com os seres humanos é uma tarefa árdua, mas se Ele, que era Deus, aceitou isso como uma oportunidade, devo fazer o mesmo... Afinal de contas, há muitos que pensam ser difícil conviver comigo, outro humano desses seres...

E quando a alma dói um pouco mais, penso na dele, que sabe o que é sofrer... e me diz: "Eu te aliviarei."
 

Evite ser instrumento de divulgação de erros alheios


Destaque do livro "Desmemórias" do Prof. Elias Boaventura (1937-2012):

“Mister Moore, dirigiu-se a mim amorosamente, pedindo que eu observasse algumas coisas para o meu futuro (eu era candidato a pastor).
Suas palavras foram: “Em sua vida, nunca tenha pressa em punir pessoas que, por estarem sofrendo, pecam, mas não são más.
Evite ser instrumento de divulgação de erros alheios e use fatos para desenvolver sua solidariedade. Pergunte sempre se com seus atos não contribuiu involuntariamente para que tais fatos acontecessem.
É muito difícil, mas necessário e inteligente, que tentemos compreender as razões do outro. Implore sempre a Deus que perdoe o errado e o ajude a vencer suas falhas.” (pág. 75)

Não sei

Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.
 Cora Coralina

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Para o Meu Coração


Para o Meu Coração...
Para o meu coração basta o teu peito,
para a tua liberdade as minhas asas.
Da minha boca chegará até ao céu
o que dormia sobre a tua alma.

És em ti a ilusão de cada dia.
Como o orvalho tu chegas às corolas.
Minas o horizonte com a tua ausência.
Eternamente em fuga como a onda.

Eu disse que no vento ias cantando
como os pinheiros e como os mastros.
Como eles tu és alta e taciturna.
E ficas logo triste, como uma viagem.

Acolhedora como um velho caminho.
Povoam-te ecos e vozes nostálgicas.
Eu acordei e às vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam na tua alma.

Pablo Neruda, in "Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada"


Top Tracks for Capital Inicial (lista de reprodução)


domingo, 17 de fevereiro de 2013

dia dificil?


VOCÊ JÁ FOI TENTAD@ HOJE?

Ao pensar neste texto, me veio outro texto a memória de Bonhoeffer, que diz: “Nenhuma tentação é mais terrível do que a de não sermos tentados.” Nas tentações somos desafiad@s.

Jesus, em nossos texto foi literalmente desafiado, pois faminto decidiu viver pela palavra de Deus, embora filho de Deus renunciou o pedir milagres do Pai, tentado pelo poder e pelas riquezas, optou permanecer como um ser humano solidário com seu semelhante e assim temente ao Senhor. Como entender em nossos dias a mensagem e o desafio do texto?

O texto bíblico inicia dizendo que Jesus Cheio do Espírito Santo foi Levado ao deserto pelo mesmo Espírito.

 O que significaria estar cheio do Espírito Santo e ser levado por este mesmo espirito ao deserto? Acaso seria sentir-se forte, poderoso, inatingível, acima de to- das as coisas -do bem e do mal? Certamente aqui já começa a tentação para nós que lemos, ouvimos e meditamos sobre o texto. É a tentação que enfoca a pergunta pela vida sob a cruz ou sob a glória.

Assim, o reformador Lutero diz: “Quem não quer aceitar o Cristo amargo, este se empanturrará até a morte de mel”.  Ou seja, a cruz supõe a condução, em meio à fraqueza, por bons poderes, enquanto a glória facilmente impele à soberba e ao menosprezo às dificuldades da vida cristã.

E ser Levado ao deserto pelo mesmo Espírito é o inusitado do texto. O próprio Espírito é quem leva Jesus qual ovelha ao matadouro, ao palco, onde ocorre o embate com as tentações. Esta constatação permite ao teólogo reformado suíço K. Barth diz que a mais terrível tentação, no sentido de provação, não é aquela que vem de dentro, nem aquela que vem de fora, mas aquela que vem de cima: "Todo trabalho teológico só será bom e aproveitável perante Deus e os homens se constantemente for exposto a tal fogo, se constantemente for levado a atravessar tal fogo - que é o fogo do amor divino, mas que não deixa de ser fogo devorador". Essa tentação ocorre quando Deus fala "na terrível linguagem do seu silenciar".

Ser tentado pelo diabo é similar à história de Jó, nas palavras de Bonhoeffer, "Deus parece estar complacente com Satanás".  Sua atuação nessa história é malograda do início ao fim. Segue, porém, o seu desígnio de tentar, provar, levar o ser humano ao desespero. No embate com Jesus, ele, porém, é colocado em seu lugar como criatura caída, que não logra triunfar diante do ser que vive em obediência e fidelidade a Deus.

O texto nos diz que Jesus Sentiu fome. Podemos dizer que há algumas situações que tornam o ser humano especialmente vulnerável às tentações. Se lembrarmos a oração do Pai nosso, onde suplicamos o pão nosso de cada dia dá-nos hoje, percebemos a profundidade dessa vulnerabilidade. As tentações : por um lado, tentação, enquanto ser provado por Deus, no sentido de tribulação ou seja, em meio ao sofrimento é testada a firmeza da fé. E, por outro lado, tentação, no sentido da sedução pelo e para o mal. Pode-se dizer que há basicamente três as fontes da sedução para o mal: a carne, o mundo e os demônios, se bem que a carne e o mundo são, muitas vezes, instrumentos usados pelo mal para sua ação nefasta.

Mande que esta pedra vire pão. Desde os primórdios da Igreja Cristã traçou-se um paralelo entre as tentações de Cristo e a narrativa da queda em Gênesis. Trata-se da aplicação da hermenêutica paulina à distinção entre o velho e o novo Adão. Na narrativa da queda, Adão não resiste à sedução do mal e come o fruto proibido. O novo Adão, porém, resiste à sedução do mal e assim, em nosso lugar, vence seu po- der. Ao resistir a essa primeira tentação, onde pão seria sinônimo de carne, Jesus triunfa sobre o mal, enquanto ser humano, isto é, despido de qualquer poder extraordinário.

Eu lhe darei todo este poder e toda esta riqueza (...) se você se ajoelhar diante de mim e me adorar. A seqüência da ordem das tentações no texto paralelo encontrado no Evangelho de Mateus (Mt 4. 1. 11) é notoriamente diferente.

No texto há um crescendo, no qual primeiro vem, segundo D. Bonhoeffer, a tentação da carne, de- pois a espiritual e, finalmente, a última tentação, que ele denomina de tentação total: 'aqui não há mais camuflagem alguma, nem simulação. O poder de satã se opõe diretamente ao de Deus. (...) Seu oferecimento é imensamente grande e belo e mesmo sedutor. Ele exige em retribuição a adoração. Ele exige a franca apostasia de Deus, que não mais tem justificativa, a não ser a grandeza e a beleza do reino de Satanás. Nesta tentação, o caso é a clara e definitiva negação de Deus e a submissão a Satanás. Eis a tentação para pecar contra o Espírito Santo".

Se você é Filho de Deus, jogue-se daqui de cima, pois as Escrituras Sagradas dizem... A última tentação, ainda mais com a alusão ao Templo de Jerusalém e à citação das promessas bíblicas do Salmo 91.11-12, é contumaz, pois representa uma inversão no endereçamento da tentação: É o próprio Deus que é tentado, a partir de sua Palavra, em Jesus Cristo, pelo diabo. A tentação reside na exigência de um sinal da parte de Deus: fé que precisa de mais do que a simples Palavra de Deus em mandamento e promessa chega a ser tentação do próprio Deus". Há um paralelo com a situação do povo israelita no deserto e a provação de Jesus, com a diferença de que Jesus resiste à tentação de tentar a Deus, tendo como recurso tão-somente a passagem bíblica de Dt 6.16.

Conhecemos estes três tipos de tentações: a tentação que vem de dentro, aquela que vem de fora e aquela que vem do alto. Elas fazem parte da existência individual do cristão e de sua existência comunitária. O embate dessa contenda é diário. Em Jesus Cristo, porém, temos a antecipação dessa batalha por nós, para nós e em nosso lugar. Tanto mais importante se torna o modo como Jesus triunfa paradigmaticamente sobre o mal: é a confiança e obediência a Deus, despojada de qualquer poder sobrenatural, porém fundamentada na sua Palavra, que resiste à tentação. Assim, revestidos de Cristo, a partir do Batismo, e sustentados pela fé, podemos enfrentar a mesma contenda em nossas vidas. Não precisamos fugir, pois "levamos todos hoje a carne que em Cristo Jesus dominou o diabo".
As formas como essas tentações se expressam na vida individual e comunitária são múltiplas. Na existência individual podemos lembrar aqui, em especial, o momento da "derradeira tentação" diante da morte. Na vida comunitária, podemos lembrar aqui, de modo particular, as situações em que em nossas celebrações, muitas vezes sem o perceber, o diabo tenta através de nós o próprio Deus, exigindo sinais e exigindo que ele cumpra suas promessas.
Conclusão:
Apartir do que fora dito, podemos dizer que há três situações: primeiro, o poder da sedução e o fascínio que determinados objetos exercem sobre mim,  a luta atroz que se estabelece no sentido de reprimir seu surgimento. E a tentação que vem de dentro, a batalha que se trava na carne. A segunda associação dizia respeito aos pais que não vinham e à solidão. E o momento da batalha com a tentação que vem de fora, da substituição. É como se uma voz soprasse aos ouvidos - eles não vêm, mas eu tenho coisa melhor para oferecer. É a tentação total, pois aqui está em jogo, diante do silêncio de Deus. É render-se ao inimigo que oferece compensações maravilhosas diante da ausência de Deus. E, por fim, a última associação, do vôo sobre os fiéis, é a tentação de manifestar sinais prodigiosos em nome de Deus, o que representa, em última análise, tentar o próprio Deus. É, em outras palavras, a tentação espiritual, de não saber seu lugar, da empáfia de deixar a posição adequada de criatura em relação ao Criador.
Que Deus nos abençoe e guarde
Odete Líber de Almeida Adriano

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Tamia - You Put A Move On My Heart


Tamia - You Put A Move On My Heart


QUARESMA E JEJUM

QUARESMA E JEJUM
A Quaresma é um período de valorizar as memórias dos tempos bíblicos, em especial o jejum e a oração, tão importantes para a fé cristã. É um período de ouvir a palavra de Deus com devoção e compromisso, de recordar o sofrimento e a morte de Jesus Cristo em favor de todos e de preparar a Páscoa do Senhor. Pode-se afirmar que a Quaresma tem três objetivos: o memorial, o teológico litúrgico e a atualização.
Como memorial rememora-se o tempo de deserto: os quarenta anos que o povo hebreu viveu no deserto após ter sido libertado da escravidão do Egito e ter-se colocado a caminho da terra prometida. Lembramos também os quarenta dias que Jesus, o Cristo de Deus, passou “no deserto”, preparando-se para enfrentar as tentações, a fim de vencer o sofrimento e a morte e ressuscitar para a vida eterna com Deus.
Em sua dimensão teológico-litúrgica, a Quaresma representa um tempo especial (quarenta dias) para dedicar-se à oração, ao jejum e à penitência, que são auxílios pedagógicos para o sincero arrependimento e a correção de vida. A celebração da Quaresma em toda a sua riqueza litúrgica e profundidade teológica também levará a uma autêntica celebração da Páscoa.
A dimensão da atualização convida cada pessoa a “tomar a sua cruz e seguir a Jesus” para que a Quaresma tenha o seu ápice na celebração da ressurreição de Cristo. A Páscoa representa a passagem que nos conduz “do erro para a verdade, do pecado para a retidão, da morte para a vida” (Livro de Oração Comum, p. 76). Renovamos, assim, a nossa fé na futura ressurreição dos mortos, pois a ressurreição de Cristo é o penhor e a garantia da nossa ressurreição, porque “se Cristo não ressuscitou não temos nada para anunciar e vocês não têm nada para crer” (1 Co 15,12ss).
A Quaresma é, portanto, o período em que refazemos a viagem final de Jesus a Jerusalém que desemboca em sua paixão e morte: seu ato derradeiro de amor por nós. Por isso tudo refletimos, oramos e jejuamos.
Além disso, desde os primórdios da Igreja cristã, uma maneira especial de preparar-se para a Páscoa, durante a Quaresma, é o jejum. A prática do jejum é, na verdade, um costume muito antigo praticado em muitas religiões.
No Antigo Testamento, inúmeros textos mostram que o jejum era uma prática bastante comum, realizada em diversas ocasiões e com vários objetivos, tais como:
Como confissão de pecado: 1Sm 7,3-6; Ne 9,1-3; Jl 2,12-13; Jn 3,5-9
Para humilhar-se diante de Deus: 1Rs 21,27-29
Em situações de profunda tristeza e luto: Ne 1,1-4; 1Sm 31,13, 2Sm 1,11-12; 12,15-23; Sl 135,13-14
Para buscar orientação e ajuda divina: Ed 8,21-23; 2Cr 20,1-4; 2Sm 12,15-23 e Et 4,6.
Mas a religião ritualizada oficial deturpou, com o decorrer do tempo, o autêntico valor do jejum, de modo que os profetas tiveram que denunciar certa prática do jejum como sendo hipocrisia. O verdadeiro sentido do jejum se havia desvirtuado. Encontramos críticas proféticas bastante duras, por exemplo, em Is 58,3-4 e Jr 4,11-12. O jejum se havia tornado um gesto automático sem nenhum significado espiritual, um ritual sem vida, uma lei a ser cumprida.
Textos do Novo Testamento nos revelam que também Jesus criticava certas práticas impostas por escribas e fariseus, quando essas práticas se haviam transformado em mera repetição de ritos que escondiam a face amorosa e misericordiosa de Deus (Mt 9,13; Mc 7,1-23). Jesus não queria que o povo vivesse somente para cumprir as pesadas leis impostas por escribas e fariseus (Mt 23,4; Mc 2,27; Lc 13,15-17).
Embora criticasse o ritualismo, o próprio Jesus não deixou de praticar o jejum, como durante os 40 dias no deserto (Mt 4,2). Mas ele não insistiu em que seus discípulos o fizessem. Ao realizar o jejum, Jesus tampouco repetiu os gestos costumeiros, ou seja: não lavar o rosto nem alinhar os cabelos, cobrir-se de cinza, etc. Antes, ele ensinou que o jejum não deve ter o objetivo de impressionar os outros (Mt 6,16-18); ele deve ser, pelo contrário, um momento de comunhão com Deus e vir acompanhado de oração.
Quando os discípulos de João e os fariseus quiseram saber por que Jesus não impunha o jejum aos seus discípulos (Mt 9,14-15), ele responde, em forma de pergunta retórica, que quando o noivo está na festa, os convidados não necessitam jejuar. Mas virá a hora em que o noivo terá que partir; aí, então, se quiserem, poderão jejuar.
A igreja cristã não tem por objetivo restaurar uma religiosidade repressiva nem insistir na prática de um mero ritual ou no cumprimento de uma lei. Mas creio que, no atual contexto, é importante lançar um desafio: Que tal retomarmos a prática do jejum como gesto de preparação para a Páscoa? Um gesto com o qual podemos expressar que somos pequenos e dependentes de Deus? Torna-se cada vez mais importante, em nossa sociedade agitada, termos um período de autoconhecimento, purificação, busca de equilíbrio e crescimento espiritual. Do desafio faz parte buscar um motivo pelo qual gostaríamos de fazer um jejum. Existem pessoas que aproveitam o período da Quaresma para abster-se de consumo de algo: alguns decidem abster-se do consumo de carne, outros de bebidas alcoólicas, outros de televisão. Também há pessoas que deixam de fazer, durante o período, uma das refeições diárias, destinando o valor“poupado” para a compra de alimentos para uma instituição que preste serviço social aos mais pobres. Certamente ainda há outros bons motivos para jejuar no âmbito da Igreja.
Na quaresma Deus nos prepara para vivermos mais uma vez a experiência da páscoa, atualizando-a em nossas vidas e experimentando o poder de sua ressurreição sobre a morte que nos rodeia. Como cristãs e cristãos somos chamad@s, na época da Quaresma, a caminhar, junto com Jesus, o caminho na direção da cruz e da Páscoa. Isso significa que temos que encarar tudo aquilo que pode separar-nos do amor de Deus e da vida em solidariedade e o jejum é uma possibilidade de ir ao encontro desse chamado.
A todos e todas uma abençoada época de Quaresma!

Autoras:
Revda. Ms. Sônia Gomes Mota, Pastora da IPU
Teóloga Ms. Odete Liber Adriano.
 
Bibliografia:
CALVANI, Carlos Eduardo B. Entre o púlpito e a universidade: sermões de um professor de teologia. São Paulo: ASTE, 2006.
MESTERS, Carlos. A prática do jejum. Liturgia diária. www.freicarlosmesters.com.br. Acesso dia 31 de janeiro às 12h e 30 min.
WHITE. F. James. Introdução ao culto cristão. 2. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1997.

QUARESMA: 40 DIAS para...

Quarenta dias para refletir e caminhar de maneira diferente.
Quarenta dias para andar devagar, para aprendermos mais uma vez com a história sempre nova da cruz: paixão de sangue que termina em luz.
Quarenta dias que nos falam ainda de desprezo e agonia, de solidão e injustiça. De alianças impossíveis e de mãos que se lavam; de subornos e traições e de tantas negações.
Quarenta dias que nos ensinam que onde tudo parecia perdido ainda é possível o milagre; onde a noite parece eterna sempre volta ao amanhecer; onde a fé parece vencida sempre se pode voltar a crer.
Quarenta dias para olhar a vida daquele que foi e é a Vida. Quarenta dias para o arrependimento e a busca.
Quarenta dias que são poucos para tratar de reencontrar o sentido da nossa própria existência, desafiada pelas palavras, silêncios, gestos e olhares; as marcas, os passos, os descansos, as festas, as comidas e os jejuns de Jesus, o Cristo do amor e da ternura.
Quarenta dias para descobrir uma vez mais, que aquilo que começa com cinzas culmina em ressurreição de esperanças e sonhos novos e horizontes de plenitude.                                                                                                                                  (Geraldo Oberman)


 
 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Lição para nós evangélicais

Uma lição para nós "evangelicais": viver com a ambivalente ambiguidade de ser humano. Ambivalente ambiguidade que não termina quando nos "convertemos". Não termina. Somos o que somos: ambivalentemente ambíguos.
Exemplos?
(1) Evangelical jura de pé junto que a "vida" é mais importante do que a "doutrina" - mas divide o mundo entre os "da doutrina certa" e os da "doutrina errada";
(2) Evangelical j...ura de pé junto que a missão tem de ser integral, mas se o trabalho não for "religioso" não é considerado missão;
(3) Evangelical jura de pé junto que o Reino de Deus é mais importante do que a Igreja, mas não consegue enxergar o Reino de Deus fora da Igreja;

Você pode acrescentar outras ambivalentes ambiguidades, quantas conseguir enxergar.

Qual a solução para essas ambiguidades? Dar mais valor àquilo que merece mais valor - parando de rotular as pessoas por causa das suas "teologias"; parando de vincular missão a religião; parando de idolatrar a Igreja - quem sabe, assim, conseguimos vivenciar mais intensamente a espiritualidade, a integralidade, a escatologicidade do Reino? [by Julio Zabatiero]

A que ponto chegamos?


“Vejam só a que ponto chegamos. Agora ele está querendo ser presidente. Não se enxerga? A começar pelos ancestrais, que não são coisa que se recomende. Há fortes boatos de descender de uma mulher de costumes frouxos e suscetível a amores proibidos. O pai, ao que parece,não conseguiu se fixar em emprego algum e alguns chegam mesmo a descrevê-lo como tendo alma de vagabundo. É certo que não seria nunca escolhido como operário padrão.E que dizer do lugar onde nasceu? Estado dos mais atrasados, sotaque típico, crescido em meio à rudeza dos que não se refinaram para as lides públicas. Podem imaginar o seu comportamento num banquete? Seria vergonhoso, cotovelos sobre a mesa, empurrando a comida com o dedão, falando de boca cheia. Seria um vexame nacional. Acresce o fato de não haver nem mesmo terminado o curso primário, sua educação formal se restrigindo a ler, escrever e fazer as quatro operações. Como trabalhador braçal, excelente. Na verdade, ali é o seu lugar. Como acontece com as pessoas que trabalham muito com o corpo e pouco com a cabeça, seu corpo se desenvolveu de forma invejável.Testemunhas oculares relatam mesmo que, em certa ocasião,não vacilou em se valer dos seus músculos para dobrar um grupo de adversários.

Mas, o que assusta mesmo, é o seu radicalismo em relação às questões do trabalho, especialmente no campo. Pois não é da iniciativa e do capital dos patrões que vêm a riqueza do país? E agora este matuto quer colocar o carro na frente dos bois. Se sua política agrária for colocada em prática é certo que vamos ter uma convulsão social no País. O nosso sistema de produção vai se desmantelar, com imprevisíveis consequências sociais. No final, parece que os empregados tomarão conta de tudo e aos patrões não resta alternativa que deixar o País. “Love it or leave it”.
Podem guardar seus sorrisos e sua raiva porque isto que escrevi não é sobre quem vocês estão pensando. É sobre Abraham Lincoln. E o que eu disse sobre sua vida pode ser encontrado na Enciclopédia Britânica, para quem quiser conferir. Imaginei como é que a conversa rolaria nas rodinhas das UDRs, KKKs da época, ante a insólita possibilidade de que um ex-lenhador sem curso primário viesse a ser o presidente do país. Como se sabe, Lincoln foi eleito, os escravos libertados, houve uma enorme convulsão social, pois os donos de escravos se recusaram a aceitar a liberdade dos negros e aqueles que não se ajustaram cumpriram sua promessa: emigraram. Para onde? Muitos para o Brasil. E foi assim que nasceram as cidades de Santa Bárbara do Oeste e Americana. Por que o Brasil? Porque, se não podiam ter escravos lá, poderiam continuar a ter escravos aqui. Nunca imaginei que esta seria uma boa razão para se optar pelo Brasil: para se continuar a ter escravos. Mas os tempos mudaram. Mudaram? Parece que ainda hoje o mesmo horror existe ante a possibilidade de que um operário venha a ser presidente do País. E as conversas que rolam por aqui não devem ser muito diferentes das que rolaram por lá. Parece que a história está cheia de situações parecidas – e é só por isto que podemos aprender dela.

Quem sabe a memória do ex-lenhador  que se candidatou a presidente dos Estados Unidos possa nos ajudar a colocar em perspectiva este fato insólito de um operário que se candidata à Presidência do Brasil. 
Por Rubem Alves*

O QUE É TEOLOGIA

Compartilho o texto de Julio Zabatiero. Após lê-lo, digo que concordo com ele. Gosto do jeito que ele escreve, de forma simples e objetiva. Nada de palavras dificeis, vc não precisará de um dicionário para ler o texto. E como estamos no carnaval, dias de nada fazer, dias de festa, tenho aproveitado para ter"preguiça intelectual". Então pra que irei escrever algo, se ele já o fez maravilhosamente. ...Vamos ao texto:
[...] o que é teologia.
Por que religiosos fundamentalistas e conservadores demonizam a teologia? Por que teologia - se for digna desse nome, porque há vários tipos de 'teologia' que não merecem o nome - é uma reflexão crítica sobre as práticas e as crenças de comunidades e/ou de instituições religiosas. No caso do cristianismo, por exemplo, a teologia reconhece que a bíblia é "palavra de deus", por isso a submete a um olhar crítico, diferenciando entre o graus de permanência e impermanência de crenças e práticas nela relatadas. Os fundamentalistas e conservadores também fazem isso, mas, ou negam que o fazem, ou afirmam que deus é quem faz essa crítica - se você conhecer um fundamentalista que siga as leis levíticas em sua totalidade, me apresente. Outro exemplo: a teologia assume seu lugar sociocultural - em meu caso, sou um teólogo 'moderno', o que quer dizer que aceito a historicidade de todas as nossas crenças e práticas, que aceito o caráter discursivo de todas as nossas crenças e práticas, que aceito a diferenciação entre religião, ciência, política, etc., entre outras coisas, e, principalmente, que aceito tudo isso criticamente. Assim, sou 'moderno' mas não fundamentalistamente moderno ...
Por que religiosos progressistas se desiludem com a teologia? Por que tratam a teologia como se fosse permanente, não reconhecendo o seu prazo de validade. Imaginam que, uma vez construindo uma teologia 'racional', ela terá uma durabilidade que os mitos, ritos e superstições da 'religião' não tem mais. Religiosos progressistas tendem a trocar a fé no dogma pela fé na razão. Teólogos, do tipo que eu imagino ser, não têm fé em dogmas nem na razão. Por que? Por uma simples razão: teologia é algo que nós fazemos, por isso, tem todos os limites próprios às ações humanas. Assim, em última instância (se é que esta instância existe), progressistas acabam sendo fundamentalistas ou conservadores - não nas crenças religiosas, mas nas políticas, ou nas científicas, ou nas estéticas.
Como escapar do fundamentalismo, do conservadorismo e/ou do progressismo (se é que devemos escapar, se é que podemos escapar)? Aceitar o fato de que a teologia - um discurso que nós fazemos porque 'cremos' - não possui autoridade, seja religiosa, seja racional, seja filosófica, seja científica, seja humana, seja teológica. Teologia não é Verdade. Teologia é busca, caminhada, peregrinação (já dizia um antigo teólogo: 'fides quaerens intellectum') que nunca termina, não tem ponto de chegada, apenas estações ao longo do caminho sempre inacabado.
E este é apenas o primeiro pit stop.
 

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

profeta não é bem recebido em sua casa (Lc 4,21-30)

a sinagoga de sua cidadezinha, Jesus havia acabado de ler no livro do Profeta Isaías: O Espírito do Senhor me ungiu para anunciar a boa notícia aos pobres (Lucas 4,16-19). Sentado, observado por todos com atenção, ele proclama: Hoje se cumpriu aos vossos olhos essa passagem da Escritura (Lucas 4,21). Suas palavras despertam admiração e respeito. Mas ao mesmo tempo, escândalo: Não é este o filho de José? (Lucas 4,22).
Qual a causa de tanto espanto? (Lc 4,22-24)
Jesus havia afirmado que o Espírito estava sobre ele. Logo sobre ele, uma pessoa simples ali da aldeia, o filho de José, que todo mundo conhecia! Ele não era sequer sacerdote do Templo! Com que ousadia afirmava ter recebido o Espírito? Por trás destas perguntas, ainda nos dias de hoje, está outra indagação: será mesmo verdade que a salvação vem dos pequeninos?
Mas não era só isso! Sob ação do mesmo Espírito, ele havia proclamado o Ano Jubileu, ano de graça do Senhor, ano do perdão das dívidas (Lucas 4,19), como lemos em Deuteronômio 15,1-18 e em Levítico 25,8-55 (veja sobre isso o artigo de Ildo Bohn Gass). De muitas leis, o judaísmo não se esquecia, mas esta era melhor não lembrar: aceitar o Ano do Jubileu significaria parar de acumular, dar descanso à terra, perdoar as dívidas contraídas pelos mais pobres, buscar a igualdade... Melhor tapar os ouvidos.
Nenhum profeta é bem recebido em sua pátria, conclui Jesus (Lucas 4,24). Com essa frase, ele mesmo dá o critério da autenticidade de seu ministério: a rejeição. Na história de seu povo, verdadeiros profetas e profetisas eram rejeitados (cf. Jeremias 26,11; Amós 7,10-13).
Os de casa rejeitam, quem é estrangeiro acolhe (Lc 4,25-27)
Jesus recorre à vida de seu povo, a histórias bem conhecidas na Bíblia para ajudar a comunidade a superar o escândalo.
A primeira é a da Viúva de Sarepta, cujo nome, infelizmente, não foi preservado. Havia muitas viúvas no meio do povo judeu, e Elias foi enviado a uma viúva estrangeira em Sarepta, na Sidônia. A história está em 1Reis 17 e é uma passagem muito bonita: Elias chega faminto, é acolhido por uma mulher e uma criança também famintos. Há relação de confiança e de acolhida, e as vidas são salvas. Não só a da viúva e de seu filho, mas também a do próprio Elias. A segunda história tem a mesma lógica: havia muitos leprosos a serem curados em Israel, mas Eliseu cura novamente um estrangeiro, o sírio Naamã (2Reis 5).
Se os de dentro do seu povo não o aceitam, Jesus deixa claro que encontrará fé e adesão entre os de fora. E o questionamento se nos faz automático: estamos nós, pessoas que nos julgamos "de dentro", aceitando de verdade a proposta? Que testemunho a sociedade cristã ocidental vem dando à humanidade? Ou continuamos aceitando a perseguição a nossos profetas e profetisas?
Passou no meio deles e prosseguiu o caminho (Lucas 4,28-30)
O Evangelho de Lucas foi escrito entre os anos 80 e 90 do primeiro século do cristianismo. E recolheu, como todos os evangelhos, histórias contadas de boca em boca, a tradição oral das comunidades. A escolha das duas histórias (a de uma viúva e de um leproso, ambos estrangeiros) mostra com clareza a preocupação da comunidade de Lucas em mostrar que a abertura ao diferente, aos estrangeiros e às estrangeiras, já vinha de Jesus. Um bom "puxão de orelhas" para nossas comunidades ainda permeadas de tanto preconceito, de resistência ao ecumenismo e de tão pouco diálogo interreligioso!
E o que fazer com gente de nossas comunidades que finge não enxergar e que não quer abrir a cabeça e o coração? Não adianta o confronto direto, é melhor passar no meio deles e seguir o caminho (Lucas 4,30). É preciso encontrar estratégias de resistência e de sobrevivência para que o projeto não seja lançado no precipício. Com a ternura de sempre, com a força e a graça do Espírito!
Edmilson Schinelo

Pedro Casaldáliga: A morte não tira o fôlego!

Pedro Casaldáliga: A morte não tira o fôlego!

 
or A entrevista é de Jesús Bastante e publicada pelo sítio Religión Digital. A tradução é do Cepat.
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No começo de dezembro de 2012, o bispo Pedro Casaldálida teve que deixar São Félix do Araguaia, MT, por uma nova série de ameaças de morte. “Ele não queria que seu povo sentisse que estava fugindo”, conta Mari Pepa Raba que, assim como seu marido,José María Concepción, mora há muitos anos perto de Casaldáliga. Ambos, hoje, nos introduzem nesta história.

Felizmente, hoje, Pedro volta a estar em sua casa, em sua diocese e com sua gente, no “simples palácio episcopal” que nos descreve Mari Pepa: “Uma casa simples com janelas de madeira e telas contra mosquitos”.

Ambos nos falam da causa indígena pela qual, segundo reconhece José María, “o Governo brasileiro (também) tomou a decisão política clara”, e confessam que “a morte não tira o fôlego de Pedro Casaldáliga”.
 
Eis a entrevista.

Como está Pedro Casaldáliga neste momento?


José – Ele retornou a São Félix no dia 29 de dezembro, feliz por retornar à sua casa, que havia deixado no dia 07 [de dezembro]. A situação foi se normalizando. Ele nunca quis sair de São Félix, nem sequer quando se aposentou. Para ele é muito importante. Escolheu, inclusive, o lugar no cemitério onde quer ser enterrado.

O que aconteceu para que tivesse que sair dali?

José – A causa fundamental foram duas ameaças concretas, a mais decisiva das quais aconteceu no dia 05 de dezembro. A razão é a causa indígena: o retorno dos Xavante à sua terra de origem, que é um processo que foi se dilatando. O Supremo Tribunal Federal finalmente reconheceu a área indígena que corresponde a este povo Xavante, e pediu a desocupação dos invasores. O Governo brasileiro decidiu cumprir a sentença do Supremo Tribunal, e cada pessoa foi comunicada pessoalmente, latifúndio por latifúndio, que teria que sair. Os latifundiários (entre os quais há políticos, prefeitos, juízes...) chegam a ter latifúndios de 9.000 hectares, e nas mãos de uma mesma família.

Ou seja, que estão devolvendo as terras aos xavantes?

José – Sim, o retorno ainda não foi executado, mas o processo está começando. A expulsão dos Xavante aconteceu na década de 1960, antes da ditadura. Os governos brasileiros decidiram levar a cabo uma espécie de expansão econômica através da colonização e do desenvolvimento da Amazônia. Então, começaram a criar programas subvencionados para as grandes empresas que quisessem investir ali. Havia bancos brasileiros, multinacionais, montadoras... Mediante a redução dos impostos e outra série de benefícios e subsídios, todas as empresas aceitaram, e chegaram a uma zona onde estava a tribo indígena Xavante. Começaram a explorar essa região, criando um latifúndio de quase um milhão de hectares. Um território maior que a província de Madri.

Os índios Xavante foram obrigados a trabalhar como escravos, e quando já não lhes serviam, os expulsaram. O próprio Exército brasileiro colocou um avião para transferir toda a população Xavante a uma espécie de reserva dos salesianos, que trabalharam muito com a etnia Xavante. Assim se iniciou o desmatamento, o aproveitamento da terra para gado, etc., da Amazônia brasileira.

Na I Conferência do Clima de 1992, realizada no Rio de Janeiro, o governo italiano, que participava dessa exploração através de uma empresa, fez o gesto de devolver 160.000 hectares de terra ao governo brasileiro, para que os Xavante pudessem retornar.

Quando os políticos e os latifundiários brasileiros tomaram conhecimento da notícia, se anteciparam e invadiram a terra. Sempre utilizam o artifício de tomar eles mesmos a maior parte possível de terra, mas também o de incentivar que haja camponeses simples, para colocá-los como desculpa no momento em que voltassem a tentar expulsá-los. É mais fácil comprar os camponeses. Sobre esta estratégia, e a invasão que começou em 1992, há muitos documentos.

Uma vez que o Governo brasileiro recebeu as terras, começou um processo de homologação e demarcação. Foram realizados trabalhos antropológicos para decidir se, efetivamente, aí haviam vivido os Xavante, foram feitas escavações nos cemitérios... E em 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto que diz que esses 165.000 hectares passavam a ser de uso dos Xavante.

Mas os invasores recorreram aos seus próprios recursos, até que em outubro passado o Supremo Tribunal Federal decidiu desestimar todos os recursos e apelações, para que se iniciasse efetivamente a devolução. Então, todos os organismos próprios (como a Fundação Nacional do Índio – Funai e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra) começaram a trabalhar no plano, e os latifundiários culparam Pedro Casaldáliga por aquilo. Alguém tinha que ser o bode expiatório, e Pedro é conhecido por ter defendido sempre os índios. “O bispo vermelho”, como o chamam.

A vida de Casaldáliga correu perigo real?

Mari – Depois da primeira ameaça um delegado do governo e a Polícia Federal vieram falar com Pedro. A situação já estava muito inflamada, e o Exército estava alerta. Ali todo o mundo sabe que as coisas se arranjam com uma “visitinha” ao bispo. Isso significa que chegam à tua casa com uma pistola e atiram.

Pedro está tranquilo, porque a questão da morte não se impõe absolutamente, mas a polícia e o governo insistiram na gravidade da situação. Disseram-lhe que tinha que ter um mínimo de cuidado, as portas fechadas... porque a casa de Pedro sempre está aberta. É um palácio episcopal muito simples: uma casa simples com janelas de madeira e telas contra mosquitos. Seu quarto sequer tem porta, apenas uma cortina. E a polícia lhe disse para não confiar tanto. Mas ele disse que a Providência sempre está com ele, e queria esperar. Parecia mais consciente do risco que nós podíamos correr do que do seu próprio. Resistiu para sair porque ele nunca fugiu diante de outras ameaças. Em 2004, um capanga o seguia em seu passeio de todas as manhãs, e Pedro não lhe dava importância. Nós também estávamos relativamente tranquilos, porque ele inspira muita tranquilidade. Creio que ele não queria que seu povo sentisse que estava fugindo, e, além disso, a polícia dizia que estes elementos ameaçavam toda a Prelazia, isto é, todas as pessoas que trabalhavam na Prelazia.

Pedro já apresenta limitações próprias a qualquer pessoa de idade. Por essa razão, o fato de ter que sair de seu lugar e fazer uma viagem longa representa muitíssimo. Eu, pessoalmente, preferia ter escolta na casa ao fato de Pedro ter que sair. Mas também é verdade que não se vê Pedro como um ancião. É um monstro, apesar do pequenininho que é. A simplicidade com que reflete, a liberdade com que conta as piadas, e sua fé, que move montanhas, são enormes.

Finalmente, foi decisão sua deixar o local?

José – Ele se reuniu com as pessoas da casa, com o advogado, com o atual bispo e alguns agentes de pastoral, e depois da oração nos disse que tinha pensado sobre o assunto à noite e que estava disposto a sair. Alugamos um avião pequeno, de apenas dois lugares, e eu saí com ele. Primeiro fomos à cidade de Goiás, porque Pedro queria participar de uma homenagem feita a ele por dom Tomás Balduíno, que foi bispo de São Félix do Araguaia antes de Pedro, e que tem 90 impressionantes anos. Foi um encontro muito bonito, no aeroporto desértico, e depois Pedro pôde participar, com Tomás, de uma reunião com amigos do mosteiro. A homenagem também foi bonita, porque os dois foram dois grandes bispos do Brasil, fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e daComissão Pastoral da Terra (CPT) – ambos organismos que pertencem à CNBB.

No dia seguinte, participamos de uma missa em um mosteiro beneditino onde reside o atual bispo de Goiás, e após a celebração o povo pediu que Pedro falasse. Eu fiquei impressionado como ainda é capaz de, apesar do Parkinson, ajeitar o microfone para falar da esperança com uma lucidez surpreendente. A mim, que o conheço tanto, ainda me surpreende com novas argumentações.

Como está de saúde?

José – É verdade que se cansa muito. É preciso recordar que está com 84 anos. Mas sempre é dependente da sua medicação.

Vão continuar a manter segredo sobre o lugar onde estiveram por aqueles dias?

José – Sim, por uma necessidade de ter de voltar, para que siga sendo um lugar reservado. Posso apenas dizer que era na casa de amigos.

Como casal que vocês são, como viveram esta situação, de perigo objetivo?

Mari – As coisas são tomadas como chegam. É verdade que vinham à casa para nos dizer para que não saíssemos, que estavam ameaçando os agentes de pastoral, diziam que sabiam que havia espanhóis... Mas também não pensávamos nessa ameaça. O que mais respeito nos dava é que havia muito movimento da polícia e do Exército no vilarejo. No domingo, na eucaristia nos demos conta de que as pessoas se sentiam sozinhas sem Pedro. Notava-se sua ausência. O povo estava triste, perguntavam por ele, se iria voltar...

Como foram os dias na clandestinidade? Pedro sentia-se irrequieto por ter se afastado dos seus?

José – Como tínhamos acesso à internet, continuamos com o nosso ritmo de trabalho. O lugar também era muito agradável, na natureza, embora não pudéssemos sair para caminhar como em casa. De Brasília nos inteiravam da situação, iam nos informando sobre o que a imprensa local brasileira, que é muito tendenciosa, não dizia. Não recebíamos visitas, mas podíamos ler e nos comunicar pela internet.

Por que foi possível que Pedro voltasse à sua casa?

José – Nós tínhamos a ideia de que no final do ano pudesse voltar, e Brasília confirmou a data de 29. Devemos reconhecer que o governo brasileiro tomou uma decisão política clara a favor dos índios e a favor da justiça, contrariando muitíssimos políticos. Pedro segue sendo crítico com o governo de Dilma Rousseff por outros motivos, porque são muitos os temas pendentes, inclusive dentro da causa indígena (além dos Xavante, os Guarani, no Mato Grosso do Sul...). Pedro é muito crítico sempre com os megaprojetos e o agronegócio. Dilma é a criadora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É uma economista desenvolvimentista. Por outro lado, o primeiro objetivo que assumiu foi a erradicação da miséria, e é certo que está trabalhando por esse fim, mas forçando o crescimento. E disso Pedro não gosta, porque muitas vezes o crescimento acelerado é invasor. O agro-business está convertendo o Brasil em um dos maiores fornecedores de matérias-primas do mundo, é verdade; mas a monocultura da soja, por exemplo, não deixa lugar para o pequeno camponês, nem para a agricultura familiar da nossa região. Já praticamente tudo é soja.

Mas no caso dos índios da região onde Pedro vive, o governo do Brasil enfrentou o governador do Mato Grosso, a maioria dos políticos e deputados que eram contrários à desocupação de terras, e se manteve firme.

Pedro sentiu falta, por parte do Vaticano ou da Conferência Episcopal Espanhola, de algum tipo de pronunciamento por um bispo da Igreja católica que foi ameaçado de morte e que teve que abandonar sua casa?

José – Pedro não manifestou nada parecido. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pronunciou-se a favor de Pedro, com uma nota de apoio explícito, e aquele que é seu atual secretário visitou várias vezes São Félix do Araguaia e fez uma aposta pela aldeia.

Não sei como soou a Pedro o silêncio da Conferência Episcopal Espanhola, porque ele nunca faz comentários do que outras pessoas poderiam fazer e não fazem, etc. Não faz comentários desse tipo. Ele não quer nenhuma importância para si mesmo. Sempre diz que o importante não é ele, mas suas causas.

Quais são as grandes causas de Pedro Casaldáliga?

José – A terra e a causa indígena. Agora está muito preocupado, em relação à primeira, por este avanço desenvolvimentista que vai tirando espaço do mais humano. E a segunda remonta a 1968, quando Pedro chegou ao Brasil e se encontrou, em sua diocese, com três etnias: os índios Tapirapé, os Carajá e os Xavante, que já haviam sido expulsos. Com a tribo Tapirapé estavam as Irmãs de Jesus que haviam vindo da Argelia. Para entender a origem da causa de Pedro é preciso remontar à espiritualidade de Carlos de Foucauld, cujo lema era “gritar o Evangelho com sua vida”. E para isso é fundamental encarnar-se no povo. Por isso, as Irmãzinhas de Jesus “se fizeram tapirapés”. Isso é evangelizar. E daí surgiu o Cimi fundado por Pedro, a evangelização dos indígenas sem retirá-los de suas aldeias para levá-los a colégios nem nada disso. Pedro se deu conta de que a única coisa que havia que fazer era dignificar a pessoa, e isso consiste em demonstrar que têm qualidades. Ser teimoso. Por isso o Cimi lutou desde o princípio pela defesa da cultura indígena, de seus mitos, sua forma de viver. E logo gerou um movimento social em todo o Brasil, que ainda existia na época da ditadura.

Quando chegou o período constituinte, em 1988, a Constituição outorgou aos índios uma série de direitos que não teria sido possível sem esse movimento social. Atualmente, a elite agrária do Brasil quer reformá-la, de fato, retirar estes direitos que foram conquistados pelo CimiPedro soube lutar por esta causa e comunicá-la, porque ele é um grande comunicador.

Como vocês conheceram Pedro?

Mari – Nós viemos, pela primeira, como turistas, a um povoado muito pobre que se chama Santa Teresinha. Começamos a colaborar nos projetos, perto da aldeia Tapirapé. Um ano nos pediram alguns painéis solares, e através da organização Engenheiros sem Fronteiras e empenhando-nos muito, os conseguimos e os levamos para lá. Ao chegar a São Félix eu fiz um comentário sobre o quanto a viagem tinha sido cansativa carregando os painéis, e Pedro me disse: “Os do Primeiro Mundo, se não trabalharem a solidariedade, não vão se salvar, haja o que houver”.