Ao pensar neste texto, me veio outro texto a
memória de Bonhoeffer, que diz: “Nenhuma tentação é mais terrível do que a de
não sermos tentados.” Nas tentações somos
desafiad@s.
Jesus,
em nossos texto foi literalmente desafiado, pois faminto decidiu viver pela
palavra de Deus, embora filho de Deus renunciou o pedir milagres do Pai,
tentado pelo poder e pelas riquezas, optou permanecer como um ser humano
solidário com seu semelhante e assim temente ao Senhor. Como entender em nossos
dias a mensagem e o desafio do texto?
O texto bíblico
inicia dizendo que Jesus Cheio do Espírito Santo foi Levado ao deserto
pelo mesmo Espírito.
O
que significaria estar cheio do Espírito Santo e ser levado por este mesmo
espirito ao deserto? Acaso seria sentir-se forte, poderoso, inatingível, acima
de to- das as coisas -do bem e do mal? Certamente aqui já começa a tentação
para nós que lemos, ouvimos e meditamos sobre o texto. É a tentação que enfoca
a pergunta pela vida sob a cruz ou sob a glória.
Assim, o
reformador Lutero diz: “Quem não quer aceitar o Cristo amargo, este se
empanturrará até a morte de mel”. Ou
seja, a cruz supõe a condução, em meio à fraqueza, por bons poderes, enquanto a
glória facilmente impele à soberba e ao menosprezo às dificuldades da vida
cristã.
E ser Levado ao deserto pelo mesmo Espírito é o inusitado
do texto. O próprio Espírito é quem leva Jesus qual ovelha ao matadouro, ao
palco, onde ocorre o embate com as tentações. Esta constatação permite ao
teólogo reformado suíço K. Barth diz que a mais terrível tentação, no
sentido de provação, não é aquela que vem de dentro, nem aquela que vem de fora,
mas aquela que vem de cima: "Todo
trabalho teológico só será bom e aproveitável perante Deus e os homens se constantemente
for exposto a tal fogo, se constantemente for levado a atravessar tal fogo -
que é o fogo do amor divino, mas que não deixa de ser fogo devorador".
Essa tentação ocorre quando Deus fala "na terrível linguagem do seu
silenciar".
Ser tentado pelo diabo é similar à história
de Jó, nas palavras de Bonhoeffer, "Deus parece estar complacente com
Satanás". Sua atuação nessa
história é malograda do início ao fim. Segue, porém, o seu desígnio de tentar,
provar, levar o ser humano ao desespero. No embate com Jesus, ele, porém, é
colocado em seu lugar como criatura caída, que não logra triunfar diante do ser
que vive em obediência e fidelidade a Deus.
O texto nos
diz que Jesus Sentiu fome. Podemos
dizer que há algumas situações que tornam o ser humano especialmente vulnerável
às tentações. Se lembrarmos a oração do Pai nosso, onde suplicamos o pão nosso de cada dia dá-nos hoje, percebemos a profundidade dessa
vulnerabilidade. As tentações : por
um lado, tentação, enquanto ser provado por Deus, no sentido de tribulação ou
seja, em meio ao sofrimento é testada a firmeza da fé. E, por outro lado,
tentação, no sentido da sedução pelo e para o mal. Pode-se dizer que há
basicamente três as fontes da sedução para o mal: a carne, o mundo e os
demônios, se bem que a carne e o mundo são, muitas vezes, instrumentos usados
pelo mal para sua ação nefasta.
Mande que esta pedra vire pão. Desde os
primórdios da Igreja Cristã traçou-se um paralelo entre as tentações de Cristo
e a narrativa da queda em
Gênesis. Trata-se da aplicação da hermenêutica paulina à
distinção entre o velho e o novo Adão. Na narrativa da queda, Adão não resiste
à sedução do mal e come o fruto proibido. O novo Adão, porém, resiste à sedução
do mal e assim, em nosso lugar, vence seu po- der. Ao resistir a essa primeira
tentação, onde pão seria sinônimo de carne, Jesus triunfa sobre o mal,
enquanto ser humano, isto é, despido de qualquer poder extraordinário.
Eu lhe darei todo este poder e toda esta riqueza (...) se você se ajoelhar diante de mim e me adorar. A
seqüência da ordem das tentações no texto paralelo encontrado no Evangelho de
Mateus (Mt 4. 1. 11) é notoriamente diferente.
No texto há
um crescendo, no qual primeiro vem, segundo D. Bonhoeffer, a tentação da carne,
de- pois a espiritual e, finalmente, a última tentação, que ele denomina de tentação total: 'aqui não há mais
camuflagem alguma, nem simulação. O poder de satã se opõe diretamente ao de
Deus. (...) Seu oferecimento é imensamente grande e belo e mesmo sedutor. Ele
exige em retribuição a adoração. Ele exige a franca apostasia de Deus, que não
mais tem justificativa, a não ser a grandeza e a beleza do reino de Satanás.
Nesta tentação, o caso é a clara e definitiva negação de Deus e a submissão a
Satanás. Eis a tentação para pecar contra o Espírito Santo".
Se você é Filho de Deus, jogue-se daqui de cima,
pois as Escrituras Sagradas dizem... A
última tentação, ainda mais com a alusão ao Templo de Jerusalém e à citação das
promessas bíblicas do Salmo 91.11-12, é contumaz, pois representa uma inversão
no endereçamento da tentação: É o próprio Deus que é tentado, a partir de sua
Palavra, em Jesus Cristo,
pelo diabo. A tentação reside na exigência de um sinal da parte de Deus: fé que
precisa de mais do que a simples Palavra de Deus em mandamento e promessa chega
a ser tentação do próprio Deus". Há um paralelo com a situação do povo
israelita no deserto e a provação de Jesus, com a diferença de que Jesus
resiste à tentação de tentar a Deus, tendo como recurso tão-somente a passagem
bíblica de Dt 6.16.
Conhecemos
estes três tipos de tentações: a tentação que vem de dentro, aquela que vem de
fora e aquela que vem do alto. Elas fazem parte da existência individual do
cristão e de sua existência comunitária. O embate dessa contenda é diário. Em Jesus Cristo, porém,
temos a antecipação dessa batalha por nós, para nós e em nosso lugar. Tanto
mais importante se torna o modo como Jesus triunfa paradigmaticamente sobre o
mal: é a confiança e obediência a Deus, despojada de qualquer poder
sobrenatural, porém fundamentada na sua Palavra, que resiste à tentação. Assim,
revestidos de Cristo, a partir do Batismo, e sustentados pela fé, podemos
enfrentar a mesma contenda em nossas vidas. Não precisamos fugir, pois
"levamos todos hoje a carne que em Cristo Jesus dominou o diabo".
As formas
como essas tentações se expressam na vida individual e comunitária são
múltiplas. Na existência individual podemos lembrar aqui, em especial, o
momento da "derradeira tentação" diante da morte. Na vida
comunitária, podemos lembrar aqui, de modo particular, as situações em que em
nossas celebrações, muitas vezes sem o perceber, o diabo tenta através de nós o
próprio Deus, exigindo sinais e exigindo que ele cumpra suas promessas.
Conclusão:
Apartir do que fora dito, podemos dizer que há três situações: primeiro, o poder da sedução e o fascínio que
determinados objetos exercem sobre mim,
a luta atroz que se estabelece no sentido de reprimir seu surgimento. E
a tentação que vem de dentro, a batalha que se trava na carne. A segunda
associação dizia respeito aos pais que não vinham e à solidão. E o momento da
batalha com a tentação que vem de fora, da substituição. É como se uma voz
soprasse aos ouvidos - eles não vêm, mas eu tenho coisa melhor para oferecer. É
a tentação total, pois aqui está em jogo, diante do silêncio de Deus. É
render-se ao inimigo que oferece compensações maravilhosas diante da ausência
de Deus. E, por fim, a última associação, do vôo sobre os fiéis, é a tentação
de manifestar sinais prodigiosos em nome de Deus, o que representa, em última
análise, tentar o próprio Deus. É, em outras palavras, a tentação espiritual,
de não saber seu lugar, da empáfia de deixar a posição adequada de criatura em
relação ao Criador.
Que Deus
nos abençoe e guarde
Odete Líber
de Almeida Adriano