Hoje quando olho
pra muitas crianças fechadas em suas casas (apartamentos), passando horas em
frente a tv, sem correr, brincar, aguçar seus sonhos, suas ideias, olho pra o
passado e vejo como corri livre pelos campos, pastos. Parceia que nada tinha
limite na imensidão do mundo. Amava correr de braços abertos, com o vento
batendo no rosto. Amava simplesmente parar e apreciar o mundo que estava a
minha volta: natureza.
A natureza com
suas árvores frutíferas ou não, flores, gramados, rios, fontes, cachoeiras.
Animais ariscos e mansos. Pássaros coloridos.
Tudo era tão
grande diante da minha pequenez!
Como era
gostosos trepar (subir, não pense coisas feias, porque na minha região até hoje
trepar é igual a subir) na árvore e lá comer a fruta. Como era bom deitar numa
pedra em meio ao pasto e ficar olhando para as nuvens e criando coisas,
imaginando histórias. Como era bom olhar o céu azul, ver o sol brilhando. Como era bom brincar de carrinho no terreiro, fazendo estradas com a enxada.
Como era lindo
ver a lua enorme e imaginar que lá
morava alguém, como por exemplo São Jorge.
Como era bonito ver a noite toda estrela, pipocada de estrelas brilhando
e ficar a imaginar como seria se pudesse pegar uma nas mãos.
Como era bom
andar a cavalo mesmo sendo tão
pequenina. Trago na memória o meu Petiço (esse era o nome dele) encilhado, vindo
para um barranco, onde eu já estava a espera dele para montar, e lá saiamos
nós, por horas. Tenho uma foto nele (e até hoje meus olhos ficam mareados de
lágrimas ao lembrar o dia que tive que dele me separar). Meus pais não se
preocupavam com os longos passeios a cavalo, porque onde morávamos não havia trânsito,
poucas pessoas, senão raras, andavam por aquelas estradas e de um lado a outro da
estrada, estavam nossas plantações. Fruto do trabalho de meus pais.
Também me
recordo que minha outra brincadeira preferida era imaginar novos caminhos,
estradas. Isso mesmo! Eu fazia no terreiro de casa (naquela época na fazenda
não se tinha calçada em volta da casa) com a enxada, estradas, criava
verdadeiros labirintos que só eu conseguia decifrar o inicio e o fim.
Eu era
solitária, tímida, magricela, feinha. Não tinha crianças para brincar comigo,
mas isso não me impedia de sonhar e brincar.
Qualquer galho de árvore virava um brinquedo. Até com os bichos eu brincava (vaca, boi, carneiro, cabrito,
porco, galinha, etc)
Amava ficar no
balanço. Minha mãe fez um dentro de casa, na sala, principalmente porque em
dias frios e chuvosos não dava para sair. O bom é que havia muito espaço em
casa. Nossa casa era enorme na época.
Bem, e a tv?
Isso não existia. O máximo era um rádio. Por isso a imaginação corria solta.
Mamãe também
gostava de contar histórias, e eu ficava ali, com os olhos arregalados para
cada palavra que ela ia dizendo. Era a história do Pedro Malazarte, mula sem cabeça, boitatá, lobisomem, mãe
d’água, saci Pererê, caipora, Iara, João e Maria, o lobo e os sete
cabritinhos, o gênio da garrafa, a amoreira, o Flautista de
Hamelin e histórias de vida dela, dos meus avós (que conto outra hora).
Também não havia
os joguinhos (ludo, damas, xadrez, quebra cabeça) que há hoje, então minha mãe
inventava muitos. Um deles que gosto até
hoje é Buzio (feito com milho e nada haver com búzios - sorte) com ele já íamos
aprendendo a somar. Fazia e jogava peteca, criava brinquedos com caixas de
fósforo... Tanta coisa, com tão pouco!
Lembro-me que a
mãe não dizia que havia jogo, nem cor certa para menina e para menino. A mãe
sempre disse que as cores são para todo mundo, assim como as brincadeiras. O
que comprova que Simone de Beauvoir estava certa. Afinal, nós não nascemos
mulheres, nos tornamos mulheres. E olha
que minha mãe nem sabe quem é Simone de
Beauvoir.
Também me
recordo que quando viajávamos de carro eu amava ficar olhando tudo, cada pedaço
da estrada, cada arvore cada pássaro, cada casa, cada animal, cada flor. Encantava-me
quando via as torres elétricas da Copel (quem diria que uma criança iria achar
isso lindo).
É, são memórias
que o tempo não leva e não apaga, pois estão gravadas na memória e no coração.